ORLANDO THOMÉ CORDEIRO
Consultor em estratégia
Quem viveu as eleições de 1982 para governador do Rio de Janeiro certamente se lembra da frase que dá título ao artigo. Para a militância e boa parte da população era um grito de guerra. Como um rastilho de pólvora, a candidatura do histórico líder trabalhista pelo PDT foi crescendo até alcançar a vitória. Na ocasião, havia apenas cinco partidos legalizados no Brasil: PDS (sucedâneo da Arena), PMDB, PTB, PDT e PT.
Aquele pleito teve regras bem diferentes das atuais. Em primeiro lugar, a disputa era em turno único. Outra característica foi uma votação, simultaneamente, para as câmaras municipais, prefeituras (exceto nas capitais e municípios de segurança nacional), assembleias legislativas, Câmara Federal, Senado Federal e governos estaduais.
As coligações eram proibidas e, para tentar frear o crescimento da oposição, a ditadura criou uma legislação impondo o “voto vinculado” pelo qual as pessoas eram obrigadas a escolher candidaturas de um mesmo partido para todos os cargos em disputa. Do contrário, seu voto seria considerado nulo. Como no jogo do bicho, pode-se dizer que a ditadura tentou “cercar pelos sete lados”, mas, felizmente, os resultados confirmaram que as tentativas foram frustradas.
Naquelas eleições, no estado do Rio, as candidaturas concorrentes para o governo, além de Brizola, eram: Moreira Franco (PDS), Miro Teixeira (PMDB), Sandra Cavalcanti (PTB) e Lysâneas Maciel (PT). Nos primeiros meses do ano, as pesquisas indicavam a liderança de Sandra, seguida por Miro. Entretanto, quando tiveram início os debates promovidos pelas emissoras de TV, pôde-se observar a competência de Brizola no uso daquele espaço. Ali, ele teve a oportunidade de criar alcunhas para seus adversários que caíram no gosto popular.
Além disso, explorou ao máximo a narrativa apontando que, no estado, a oposição não era monopólio do MDB. E para isso, valia-se do histórico de aliança com a ditadura do então governador Chagas Freitas, principal patrono da candidatura de Miro. Colocando-se como o verdadeiro opositor e crescendo nas pesquisas, passou a ser alvo dos ataques das campanhas concorrentes. Nesse momento, ele passa a adotar um novo slogan: “São todos contra Brizola; é o povo contra todos!”.
Recordar essas passagens ajudam a entender o que candidaturas à Presidência em 2022 podem fazer, desde agora, para construírem narrativas que lhes permitam garantir um posicionamento claro junto ao eleitorado. Parece ser indiscutível que, no momento, o presidente Bolsonaro tem mostrado boas condições de conquistar um novo mandato. Seu posicionamento se caracteriza por combinar a firme defesa dos valores conservadores no campo dos costumes com uma mitigação no discurso sobre a pandemia, evoluindo do negacionismo absoluto para a defesa das vacinas. Tal comportamento não representa uma novidade e tem se mostrado eficaz para manter sua aprovação na faixa de 30%. E tudo indica que, com a intensificação da campanha de vacinação e o retorno do auxílio emergencial, deverá recuperar terreno, revertendo o recente crescimento na desaprovação.
No campo da oposição tradicional, o que se assiste é à bateção de cabeças, principalmente após a acachapante derrota eleitoral nas recentes disputas no Congresso Nacional. Até o momento, não demonstraram capacidade de encontrar ideias e propostas capazes de gerar engajamento e mobilização, mantendo-se numa posição reativa em relação ao governo e ficando a reboque de suas iniciativas. Nem mesmo o ainda indefinido Luciano Huck escapa dessa situação. Isso acaba por se refletir nas pesquisas sobre intenção de voto para Presidência, com Bolsonaro liderando em todos os cenários no primeiro e no segundo turno.
Porém, como apontado por Luiz Carlos Azedo em sua coluna da última terça-feira, há um ponto fora da curva: a resiliência de Sérgio Moro. Alvo de ataques de praticamente todas as forças políticas, especialmente parlamentares, ele tem conseguido se manter como aquele potencial candidato com chances de enfrentar e derrotar o presidente.
Sua postura tem sido a de negar uma possível candidatura. E, no caso do vazamento das conversas feito pelo The Intercept, vem adotando o recurso de colocar em dúvida a veracidade das gravações, além de apontar a ilegalidade quanto à forma de obtenção. Não está claro se tal atitude será suficiente para mantê-lo com fôlego até 2022, mas, se quiser mesmo se candidatar, deveria se inspirar em Brizola e aproveitar o momento, chamando para si a ideia de que todo mundo está contra ele. Pode ser o caminho para a vitória.