Por 56 votos a 44, o Senado norte-americano considerou constitucional julgar o pedido de impeachment do ex-presidente Donald Trump, acusado de insurreição contra o parlamento. Dificilmente, o magnata perderá seus direitos políticos, efeito que teria se condenado fosse pelo Congresso. Para isso, seriam necessários 17 votos de republicanos. Mas apenas seis divergiram da compreensão do partido de que não havia ilegalidade na aprovação do processo de impedimento contra o ex-presidente.
Em 6 de janeiro, a 14 dias de deixar a Casa Branca, Trump estimulou eleitores a impedir os congressistas de chancelar a vitória do democrata Joe Biden. Em discurso para uma multidão, Trump reafirmou que jamais aceitaria a derrota para Biden e insistiu que teria ocorrido fraude nas eleições. “Lutem como o inferno”, recomendou aos seguidores.
Foi a senha para que centenas de pessoas invadissem e vandalizassem o espaço onde senadores e deputados estavam reunidos. Os parlamentares foram forçados a se abrigar nos andares inferiores do prédio, ante a violência da turba invasora. O movimento teria sido organizado por extremistas de direita. Cinco pessoas foram mortas, entre elas, um policial do parlamento, e 135 acabaram presas.
O ato de violência, considerado insurreição incentivada por Trump, deu origem ao segundo pedido de impeachment contra o bilionário. Diante da repercussão mundial, com críticas da maioria dos chefes de Estado da Europa e da Ásia, inclusive de governos aliados e até de republicanos, o então presidente voltou à cena para reconhecer a vitória de Biden e defender uma transição pacífica. Mas o comportamento amistoso chegou tarde.
O episódio colocou em xeque a robustez da democracia americana, um paradigma para as nações sob o mesmo regime de governo. Mas esse foi apenas mais um dos muitos maus exemplos que Trump dispersou pelo mundo ao longo do seu mandato. Na memória mundial ficaram imagens da crueldade do republicano, ao separar filhos de pais imigrantes, apoiado no lema de campanha “America First” (América em primeiro lugar). As crianças eram colocadas em jaulas; e os adultos, algemados, como criminosos.
Trump implicou com o México e reiniciou a obra de um muro para impedir o fluxo migratório. Em nenhum momento, expressou consternação diante da onda de assassinatos de afro-americanos por policiais brancos. Pelo contrário: ordenou às forças de segurança que interviessem para conter as manifestações contra o racismo.
Durante a pandemia, Trump subestimou a letalidade do novo coronavírus e colocou os Estados Unidos em primeiro lugar em número de mortos no planeta. Discordou das orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e retirou os Estados Unidos da instituição. Aliás, ele sempre se colocou contra as entidades multilaterais e optou pelo isolacionismo, ressaltando o lema “America First’, para o delírio insano dos ultradireitistas.
Foi um governo trágico, que garantiu a Trump o título de pior presidente da história republicana. Mas ele segue sendo um ator político importante e promete voltar ao poder. Ainda resta esperança que, amanhã — data provável de encerramento do julgamento —, republicanos ajuizados interrompam definitivamente a carreira do bilionário e atendam ao desejo de mais de 50% dos norte-americanos favoráveis à condenação de ex-inquilino da Casa Branca, segundo pesquisa do site Five Thirty Eight.