Nos estertores do poder, depois que perdeu as eleições para o democrata Joe Biden, o então presidente americano, Donald Trump, pediu aos seus manifestantes: “Lutem como o inferno”. Era 6 de janeiro de 2021, e o Congresso se reunia para confirmar a vitória da chapa formada por Biden e pela ex-senadora Kamala Harris. De repente, um bando de trogloditas, muitos deles supremacistas brancos e milicianos, invadiu o Capitólio e profanou um dos símbolos maiores de uma das democracias mais sólidas do planeta. Por alguns minutos, apossaram-se de gabinetes das lideranças democratas e vandalizaram patrimônio público. Hoje, o mesmo Capitólio se reúne, desta vez para traçar o destino de um negacionista, um “líder” que colocou o ego acima de sua própria nação, um presidente que fechou os olhos para a tragédia da covid-19 e um republicano que esboçou apreço zero pela democracia.
O corporativismo, o receio de uma hecatombe nas urnas e a fidelidade partidária talvez terão peso determinante numa provável absolvição de Trump. Muitos congressistas temem que, se condenarem o magnata, ficarão alijados de uma próxima legislatura. A ala mais radical do Partido Republicano, aquela formada por brancos de escolaridade média, poderia reagir nas eleições de meio de mandato, em 2022, e extirpar os “traidores”, por meio do voto. Há aqueles que veem em Trump, apesar de tudo, uma liderança forjada para retornar à Casa Branca em 2024. Não se importam em dar murro em ponta de faca, mesmo que sangrem no futuro.
Ainda que Trump mantenha seus direitos políticos, algo absurdo ante a gravidade da acusação de incitamento à insurreição, a reputação do ex-presidente que jurou tornar a América grande novamente foi lançada na sarjeta. Além de antidemocrático, Trump mostrou-se mau perdedor, transformou-se em projeto de ditador de uma republiqueta de bananas, conseguiu expor ao ridículo a maior potência do planeta. Sua condenação pelos 100 senadores, a partir de hoje, não apenas representaria bom senso. Mais do que isso, soaria como um aviso a outros governantes que se sentem no direito de espezinhar o voto.
Um recado para aqueles que se colocam acima do bem e do mal, que se armam de um exército de ultraconservadores negacionistas e terraplanistas, uma quase seita de histriônicos e idólatras que não têm o mínimo de apreço pela democracia.
De tragédias, basta-nos a da covid-19, impulsionada pelas mazelas de governantes que preferem receitar hidroxicloroquina e ivermectina a encampar um plano de imunização nacional eficiente. Que todos saibamos proteger os nossos valores democráticos e nossa sanidade mental.