Cooperativas são ainda mais importantes em tempos difíceis

Muito foi comentado quanto aos impactos desastrosos da pandemia da covid-19 sobre toda a economia, e como a crise sanitária fez com que o mundo buscasse reinventar novas formas de organização, sobretudo no trabalho. Adaptação, embora seja uma capacidade inata ao ser humano, foi uma habilidade exigida de todos nós, em grandes doses, ao longo de 2020.

Destaco, nesse contexto, o importante papel de um segmento que surgiu com força no Brasil, na década de 1990, mas ainda é visto com um certo ar de novidade: o cooperativismo. O modelo cooperativista, desde sempre, nos ensinou o que é trabalhar em rede, de modo colaborativo e sustentável, somando forças para alcançar um resultado que seja bom para todos. Uma visão de negócio, trabalho e sociedade que não pode ser desprezada, em especial neste momento em que precisamos fazer com que a economia volte a girar, para ter emprego e renda.

No setor agrícola, sua importância ganha ainda maior dimensão. De acordo com dados do Censo Agropecuário do IBGE, de 2017, 48% de tudo que é produzido no campo passa, de alguma forma, por uma cooperativa. Além disso, o agronegócio, se não salvou, ajudou, e muito, para reduzir o tombo da economia brasileira em 2020. E promete ser o motor de recuperação econômica nos próximos anos.

As cooperativas, certamente, poderão continuar colaborando muito com o desenvolvimento local das cidades, com a agricultura, a pecuária, a piscicultura e outros segmentos econômicos. E não estamos falando apenas das cooperativas agropecuárias. As cooperativas de crédito são para o produtor rural importantes canais de incentivos para aquisição de maquinário e, principalmente, com a oferta de serviços de tecnologia. Aliás, essas cooperativas têm exercido um papel crucial na inclusão do campo, na era digital, disponibilizando aos produtores serviços tecnológicos de ponta, como mapeamentos digitais que eles não teriam condições de adquirir por outra via, além de cursos técnicos de excelência em agronegócio, que colocam o pequeno e médio produtor em contato com práticas inovadoras e mais eficientes.

Pelo que oferecem, não há dúvidas de que as cooperativas têm espaço garantido — e relevante — em especial neste momento difícil da economia, oferecendo serviços a um custo bem mais baixo à sociedade. Sem falar no enorme potencial inexplorado nesse setor no Brasil, quando comparado a países europeus nos quais o cooperativismo é muito mais forte.

O último Censo Global do Cooperativismo, realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), apontou a existência de mais de 2,6 milhões de cooperativas em todo o mundo, somando mais de 1 bilhão de membros e clientes, gerando acima de 12,6 milhões de postos de trabalho. A França é o país com maior número de cooperados e, de acordo com a edição de 2016 do Observatório Mundial das Cooperativas, lá estão as três maiores cooperativas mundiais.

No Brasil, segundo dados da Organização das Cooperativas Brasileiras, o retorno gerado à sociedade, em 2018, chegou a R$ 16 bilhões. Entre 2011 e 2018, o número de pessoas que se uniram a esse tipo de iniciativa cresceu 62%, causando um incremento de 43% na criação de empregos, de acordo com dados do anuário do cooperativismo 2019.

Não são números tímidos, mas ainda há muito que explorar no vasto campo das cooperativas, que não está apenas no setor agrícola e financeiro, mas também na indústria, habitação, saúde, dentre outros.

Quanto às cooperativas de crédito, novas possibilidades surgem com um projeto de modernização da Lei Complementar 130, aprovada em 2009. O projeto visa garantir condições mais favoráveis para que elas possam ampliar seu alcance de atuação e enfrentar a atualidade econômica do setor. O próprio Banco Central sinalizou que pretende flexibilizar as regras do segmento para dobrar a participação de cooperativas de crédito no sistema financeiro até 2022. Hoje, o segmento representa cerca de 10% do setor e a meta é que a fatia chegue a 20%.

Recentemente, outras duas resoluções também trouxeram boas novas para o setor. A sanção da Lei nº 14.109/2020, que facilitará a conectividade no campo, e a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei Complementar 146/19, que institui o Marco Legal das Startups.

A primeira libera recursos represados do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para serem utilizados como linhas de crédito, investimentos estatais ou garantia para projetos do setor e inclui as cooperativas na permissão de utilização desses recursos. As próprias cooperativas de infraestrutura poderão oferecer os serviços de assistência técnica, levando a Internet às cooperativas agrícolas e às propriedades rurais.

O Marco Legal das Startups, como teve as cooperativas incluídas em seu artigo 4º, tem potencial de desburocratizar o setor, criando incentivos como regime tributário simplificado e linhas de crédito específicas, o que é essencial para atrair cada vez mais cooperados. Como se vê, são boas as perspectivas para o cooperativismo, em 2021, o que nos dá algum alento, sobretudo na fase pós-pandemia que se desenha com a chegada da vacinação. As cooperativas darão um suporte essencial em suas respectivas comunidades, permitindo que seus trabalhadores prestem serviços e tenham melhores condições de competitividade. Muito além disso, oferecendo à sociedade produtos de qualidade a preço justo.

 

*Luiz Felipe Perrone dos Reis - Sócio diretor do escritório Reis Advogados (Bebedouro-SP) e membro da Comissão Especial de Direito Bancário do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp)