PANDEMIA

Vacina: segurança sanitária, social e econômica

''A vacina nos traz segurança, mas está longe de trazer relaxamento frente à pandemia. As medidas de proteção devem continuar as mesmas ao longo de 2021''

PEDRO BARBOSA
postado em 03/02/2021 06:00 / atualizado em 03/02/2021 08:23
 (crédito: Gomez)
(crédito: Gomez)

Diretor-presidente do Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), instituição ligada à Fiocruz, e integrante do conselho de médicos do Todos pela Saúde

 

Vacina é o tema do momento e não poderia ser diferente. A vacinação em massa contra a covid-19 teve início há duas semanas e, nesse contexto, é importante dizer que as mais recentes vacinas são resultado de muita pesquisa e complexas tecnologias. Foram meses de trabalho até serem disponibilizadas à população. Os recursos aplicados em vacinas no mundo alcançaram a cifra de US$ 37 bilhões em 2019 e estima-se que, até 2025, haverá um crescimento médio anual de 7,5% nesse valor. Se contarmos as vacinas contra a covid-19, essas devem mobilizar até US$ 30 bilhões em 2021. No Brasil, sem contar as vacinas para covid-19, estima-se um mercado de R$ 8 bilhões. E somente as duas vacinas para a covid-19, da Fiocruz e do Butantan, representarão números próximos a R$ 9,5 bilhões até o fim de 2021, com base nos dados e preços de aquisição conhecidos.

A covid-19 provocou uma revolução na criação de vacina. A crise aguda global acarretada pela pandemia mobilizou instituições científicas e tecnológicas mundo afora. A concentração de esforços e grande cooperação entre importantes centros e empresas deram resultados. A bagagem científica e tecnológica prévia facilitou resultados em prazo recorde. Mas foram os países que têm políticas, sistemas e investimentos governamentais expressivos em ciência e tecnologia que conseguiram as vacinas. No caso brasileiro, o que vemos é o contrário: cortes. Resultado: temos vacinas com transferência de tecnologia, o que é, sim, uma conquista, graças à Fiocruz e ao Butantan, mas também royalties por décadas serão pagos ao exterior.

Produzir uma vacina no Brasil implica soberania e segurança estratégica, como ambas as instituições já o fazem para a maior parte das vacinas do SUS. Apesar disso, precisamos nos lembrar de que essa produção precisa ser, além de tudo, colaborativa, já que nenhuma imunização – seja ela qual for – possui todos os insumos provenientes de um único país. No caso da covid-19, há algo fantástico em termos científicos, tecnológicos e capacidade produtiva. Dados disponibilizados pelos principais produtores mostram que, até o fim de 2021, haverá uma oferta superior a 7 bilhões de doses de vacinas contra a covid-19. Um grande feito. Os efeitos sanitários, sociais e econômicos são inimagináveis.

Chega de politização patética e falaciosa. Iniciamos a vacinação e ainda temos desafios fundamentais, como o fluxo contínuo de vacinas a serem entregues ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) do SUS. Poderia ter sido antes, mas não estamos atrasados em termos de perspectiva populacional. É importante começar a vacinar, mas fundamental é cobrir rapidamente contingentes expressivos da população. Os dados apresentados por Fiocruz e Butantan estimam que, até o fim de abril, é possível alcançarmos mais de 50 milhões de pessoas vacinadas. Serão dezenas de milhares de pontos de vacinação. Como comparativo, temos um histórico do PNI de mais de 80 milhões de pessoas vacinadas em 3 meses contra a H1N1 em 2010.

Passa a imperar o racional, e o PNI vai coordenar a vacinação pelo país, condição sem igual no mundo. Espera-se que, depois de tantos desvarios, União, Estados e municípios estejam coordenados e alinhados para a vacinação pública, gratuita e para todos. Isso só é possível por meio do SUS. Aqui, um destaque: o SUS é um enorme feito político-institucional nacional. Se a vacina é uma conquista, o SUS o é também. Que esta pandemia permita à sociedade e aos governos entenderem em definitivo o SUS como fundamental. Sem ele, estaríamos vivendo uma barbárie, mesmo com tantas fragilidades e carência de recursos. Além disso, o risco de vacinar primeiro quem pode pagar seria um absurdo social, uma imoralidade.

Estejamos alertas de que o início da vacinação tem pouca relação com o controle imediato da pandemia. Interromper a circulação do vírus no Brasil é coisa para meados do segundo semestre em diante, quando enorme parcela da população estiver vacinada — a tão falada imunidade de rebanho, agora pela vacina, e não pela doença. As vacinas da Fiocruz e do Butantan revelam eficácia de 100% para casos graves e hospitalização, o que significa efetiva proteção da pessoa vacinada. Entre as pessoas vacinadas, aqui usando como exemplo a vacina da Fiocruz, mais de 70% não serão mais infectados pela covid-19. Menos de 30% poderão ser infectados, mas estarão protegidos contra casos graves ou hospitalizações. Não se esperam mais óbitos entre todos os vacinados.

A vacina nos traz segurança, mas está longe de trazer relaxamento frente à pandemia. As medidas de proteção devem continuar as mesmas ao longo de 2021. Vamos conviver, no início da vacinação, com o recrudescimento da pandemia, como já observado praticamente em todo o país. É tempo de esperança com o início da vacinação. Momento de comemorar conquistas da ciência, mas também de repensar o nosso modo de vida e de desenvolvimento. Ultrapassar 2 milhões de mortes no mundo e mais de 210 mil no Brasil não pode ser sinal de civilização que se cuida.

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