Quando o futebol liberta

A final da Libertadores será transmitida em 191 países. Em nenhum deles, o sinal do duelo entre Palmeiras e Santos será tão aguardado como em três cidades do Brasil e uma da Venezuela. Em Magalhães Barata (PA), Rio Branco (AC), Penedo (AL) e Acarigua, nasceram quatro personagens da decisão de hoje, às 17h, no Maracanã. Eles as representam e as colocam no mapa-múndi da bola.

Rony, Weverton, Marinho e Soteldo são candidatos a melhor jogador da Libertadores. Um deles receberá o anel personalizado com pedras preciosas. São quatro biografias admiráveis. Todas desafiam os clubes a enxergar o futebol além da bola e valorizar a inclusão social.

A Região Norte do Brasil é, historicamente, esquecida. Basta observar o tratamento dado por setores do governo federal à crise sanitária no Amazonas. Rony é do não menos sofrido Pará. Nasceu em Magalhães Barata — município com pouco mais de oito mil habitantes. Tem noção do que a presença do atacante do Palmeiras na final significa para o povo dele?

Rony tem raízes indígenas. Cresceu numa casa de barro, em Vila Quadros, zona rural da cidade localizada a 156km de Belém. Criado pelo avô depois da morte do pai, dormia em cama sem colchão. Pedaços de papelão e restos de pano amorteciam a dor do sono. Fabricou farinha de mandioca, foi pedreiro e mototaxista antes de realizar o sonho de ser jogador de futebol. Tem cinco gols em 10 jogos na campanha do Palmeiras. É artilheiro do time ao lado de Luiz Adriano.

O goleiro Weverton é de Rio Branco (AC). Um dia, o ídolo do Palmeiras disse que daria uma guinada na vida. O Juventus-AC disputou a Copa SP Júnior, em 2005, e ficou na capital paulista. Foi contratado pelo Corinthians. Herói da inédita medalha de ouro do Brasil nos Jogos Olímpicos do Rio-2016, no Maracanã, ele disputará a final no estádio pela terceira vez na carreira. Em 2013, havia amargado o vice da Copa do Brasil pelo Athletico-PR.

Marinho é de Penedo (AL). Com a bolas nos pés, dribla dois preconceitos: aos nordestinos e aos negros. Foi vítima de injúrias raciais nas quartas contra o Grêmio, e na semi com o Boca Juniors. Na infância, sofreu com o alcoolismo do pai e as adversidades da pobreza. O camisa 11 é o artilheiro do Santos na temporada com 23 gols em 39 jogos. Quatro na Libertadores.

Soteldo nasceu em Acarigua, na Venezuela. Ouviu que não teria estatura para jogar futebol. O atacante tem 1,60m. Pode se tornar, hoje, o segundo venezuelano campeão da Libertadores. Alejandro Guerra conseguiu o feito pelo Atlético Nacional, em 2016. Vice-campeão do Mundial Sub-20 em 2017 pela Venezuela, Soteldo é uma das joias da revolução no futebol venezuelano.

A decisão de hoje prova que o futebol é capaz de libertar meninos de origem pobre como o paraense Rony e o alagoano Marinho; dar asas à imaginação do goleiro acreano Weverton; e tornar o baixinho venezuelano Soteldo candidato a melhor jogador da América. Boa final.