Há um antigo provérbio africano que diz: “Enquanto o leão não aprender a contar suas histórias, as vitórias da caça serão sempre do caçador”. Decerto, no Brasil, se pudesse contar suas conquistas na caça, o leão seria desacreditado, já que o caçador jamais aceitaria sua inferioridade, especialmente por conta das vantagens e privilégios que possui em relação ao leão.
No Brasil, mesmo que vítimas, negros são desacreditados, e a forma mais comum é a publicização da ficha criminal da vítima, como primeira etapa, visando desqualificar a vítima negra, logo depois associam a violência sofrida ao local onde residia ou qualquer outra desculpa esdrúxula para camuflar o racismo. Como diz o rapper Emicida: “Um corpo preto morto é tipo os hit das parada: Todo mundo vê, mas essa (porra) não diz nada[1]”.
Somos tão subservientes a ponto de acreditarmos que as mortes de crianças são resultado de ações delas? Para alcançar a resposta para este questionamento, é necessário compreender que o racismo estrutural é enraizado a tal maneira em nossa sociedade que, agindo de forma obscura, faz com que até mesmo os negros não percebam que estão envolvidos em uma rede racista que, inconscientemente, o conduz em um efeito manada.
Desacreditar a vítima é uma estratégia de defesa do agressor, que passa a creditar à vítima ações ou fatos socialmente reprováveis, resultando em um (prévio) linchamento social, fazendo com que torne impossível atribuir à vítima qualquer credibilidade em seu relatado. Isso é algo que soa familiar? O crime de racismo, previsto no art. 20, da Lei nº 7.716/89, é relativizado na delegacia, onde, por simpatia ao agressor, mesmo proibido por lei, condiciona-se à liberdade do (constitucionalmente) “criminoso”, ao pagamento de fiança.
Negros continuam sendo preteridos em todas as esferas decisivas e, mesmo assim, políticas afirmativas, como cotas ou programas de inclusão dos negros, são vistas como algo nocivos aos não negros, que tentam transfigurar, sem sucesso, em uma espécie de racismo reverso. Para muitos, o negro condescendente é facilmente aceito em determinados postos ou lugares, já que não provocará alteração em um sistema enrijecido pelos costumes dos não negros.
Por outro lado, inúmeros de nós, insertos na realidade cotidiana, em conflito consigo, sentem-se constrangidos em assumir-se negro, donde se questiona qual seria a triste verdade que isso esconde, como destaca Victoria Eugenia Santa Cruz Gamarra, em seu poema Gritaram-me nega, que bem reflete as aflições da mulher negra em querer ser aceita em uma sociedade racista.
Esse sentimento de vergonha é o que faz com que muitos de nós tornem-se complacentes com a situação que nos oprime e, ao contrário da quimera popular, o desejo de busca por mudança e por uma vida melhor é abatido pelo bombardeio de sentimentos que nos diminuem como cidadãos. Carregamos em nós, na própria pele, o reflexo da escravidão, e com ele, vem o sentimento de inferioridade, as barreiras sociais, a depressão, que os não negros insistem em nos lembrar todos os dias, humilhando-nos, ameaçando-nos de morte e exterminando-nos, em plena luz do dia, sem qualquer pudor.
Que país é este, belo e forte, mas impávido em permanecer oprimindo e escravizando negros? Sim, somos e permanecemos escravos, carregamos o peso desses novos grilhões, como nossa trajetória, presos em nosso psicológico, o que não nos permite sermos plenamente livres. O medo se tornou aliado, somos obrigados a nos esconder por conta de ataques racistas.
Temos que evitar determinados lugares, a fim de esquivarmo-nos de ser constrangidos ou agredidos na frente de nossos familiares. Sem justificativa, somos suspeitos, condenados e considerados culpados de um crime aleatório, sem o devido processo legal que, aliás, inexiste para os “pele branca”. Que liberdade é essa que depende exclusivamente da “benevolência” de um sistema que foi programado para nos matar?
Cedo ou tarde, alcançaremos a liberdade com que tanto sonhamos. Com ela, recontaremos nossa história e tudo isso, toda essa opressão, será apenas história de um Brasil, cujo passado glorioso foi construído pelas mãos de negros escravizados, às custas de vidas negras. Quanto ao provérbio do leão e do caçador, há outro provérbio africano que diz: “Lembre-se, se existe tormenta, haverá arco-íris”. Ubuntu!
[1]Emicida — Ismália part. Larissa Luz & Fernanda Montenegro. Compositores: Renan De Jesus Batista / Leandro Roque De Oliveira / Vinicius Leonard Moreira
Uma Câmara de todos
Fábio Ramalho Deputado federal pelo MDB de Minas Gerais
A Câmara dos Deputados não tem dono. É de todos. Nem usa rédeas. O deputado não é gado, não pode ser tangido. Nem pelo presidente da República, nem por governadores, nem por líderes. Essa Casa não tem medo de ninguém, nem tem rabo preso. É por essas razões que sou candidato a presidente da Câmara dos Deputados no biênio 2021/2022.
Apesar de tudo dito acima, hoje, os deputados estão mudos. Perderam sua voz. Há um só a falar. Poucos escolhidos têm acesso à cúpula do Congresso. A democracia interna não existe a não ser no regimento interno. Na prática, só os privilegiados mantêm suas regalias. A maioria vive de migalhas, de sobras que não suprem as necessidades de suas bases eleitorais. E isso mata a democracia, porque uns são melhores do que outros quando deveriam ser iguais.
Quem perde com isso são os milhões de brasileiros representados pela maioria na Câmara Federal, mas que ficam sem recursos essenciais em tempos de normalidade, ainda mais durante uma pandemia. Verba para a saúde, para obras de infraestrutura urbana, para saneamento. Tudo só para uns poucos.
É só olhar os números do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). Em verbas extras do Orçamento, os interesses pessoais predominam frente ao interesse coletivo. Cerca de 30 deputados conseguem obter de R$ 200 milhões a R$ 300 milhões para uso de seu curral eleitoral. Se beneficiam de postos que deveriam ser democratizados, mas sempre estão nos mesmos lugares. Protegidos pelo mesmo grupo. E isso se repete de dois em dois anos.
Enquanto a minoria faz a festa, cerca de 480 deputados e deputadas têm pouco a levar para seus estados e municípios. É uma injustiça com o voto do brasileiro, que deveria valer igual para todos. Como está hoje, uns brasileiros valem muito mais do que outros. Isso tem que acabar. Se eleito, será uma de minhas prioridades distribuir os postos em comissões e relatórios de forma equilibrada entre parlamentares diferentes de diversas regiões, de múltiplos estados. A panelinha tem que acabar para todos comerem. Quando fizermos isso, acabaremos com o que se chama de baixo clero. Rezaremos pela mesma cartilha. E, neste momento grave que atravessamos, isso é urgente.
Como também é urgente discutir o teto de gastos. O país não pode ficar discutindo se mantém ou não o teto enquanto a casa inteira está desabando em cima de nosso povo. É urgente prorrogar o auxílio emergencial para quem precisa. Vamos combater os desvios e cortar quem não precisa. Mas, com o comércio fechado, com os serviços parados, com as indústrias sem material para produzir, não podemos deixar o povo sem ajuda. O auxílio é para emergência, ainda não voltamos à normalidade.
E na catástrofe que mata milhares de brasileiros, a Câmara tem que dar respostas. Não é só o presidente da Casa que deve falar. Temos muitos deputados com capacidade de colaborar com boas ideias, temos comissões que podem se reunir para debater o futuro do país. Só conseguiremos fazer isso com a Presidência aberta a todos os deputados, disposta a ouvir para dar voz.
Vou ter meu gabinete aberto, vou viajar pelo país em gabinete itinerante com os senhores deputados para ver de perto os problemas, debater com os eleitores as soluções. Vou ser um presidente imparcial, próximo aos parlamentares, escravo da Constituição Federal e do Regimento Interno. Hoje, todo mundo liga e atende telefonemas, depois não dão essa mesma atenção.
Os empresários precisam de uma reforma tributária, que vou fazer para diminuir a burocracia e essa infinidade de normas que a Receita Federal mantém em vigor para tornar a vida do empreendedor um inferno. Quem paga imposto, no Brasil, é duplamente punido: paga imposto muito alto e ainda tem que gastar um tempo precioso para conseguir dar dinheiro para o governo. É um absurdo que não pode continuar. Acrescento nessa linha, não somente os empresários, mas todo o ciclo produtivo, principalmente os empregados que chegam a perder oportunidades de trabalho pelo excesso de tributos no nosso país.
Vamos mudar o Brasil. Para melhor. Eu serei o instrumento para essa transformação. Farei com todos deputados e deputadas. Resgataremos o valor da Câmara dos Deputados como uma referência para o país, e não um símbolo do desperdício e da aristocracia cheia de privilégios e vícios que só atrapalham o Brasil. Vamos cuidar da nossa imagem trabalhando pelo nosso povo. E nossa palavra, lealdade e compromisso terão de novo o valor que a história registrou nos grandes momentos do Brasil.
Visto, lido e ouvido
Desde 1960 Circe Cunha (interina) // circecunha.df@dabr.com.br
Por onde anda a Lei da Ficha limpa?
Passada uma década de sua promulgação, a Lei Complementar nº135 de junho de 2010, popularmente chamada de Lei da Ficha Limpa, apesar de seu valor intrínseco e simbólico, anda um tanto esquecida e deixada de lado, mesmo em períodos eleitorais, nos quais, por sua importância e razão de ser, deveria se constituir na mais rigorosa peneira a filtrar os candidatos políticos que cometeram crimes de qualquer natureza, mesmo para réus primários e para aqueles cuja a condenação em segunda instância coubesse ainda recursos extraordinários.
Pelo menos era o que desejavam os mais de 1,6 milhão de cidadãos que assinaram entusiasmados o projeto original, além dos mais dois milhões de brasileiros que subscreveram-no pela internet, acreditando que seria um divisor de águas no sistema eleitoral brasileiro, pois colocaria um fim definitivo na carreira dos maus políticos e de todos que praticaram crimes de natureza judicial e administrativa, em todas as suas modalidades.
Para muitos brasileiros, era chegado, portanto, o fim da corrupção e da dilapidação secular dos recursos públicos. Só havia um porém: para sua fixação junto à Constituição Federal de 1988, conforme preconizava o parágrafo 9º do artigo 14 dessa mesma Carta seria necessário que esse conjunto de leis de iniciativa popular fosse, antes, submetido à apreciação dos congressistas, ou seja, de muitos políticos que, direta ou indiretamente, seriam afetados pelas repercussões futuras desse projeto ímpar de saneamento. E foi nessa encruzilhada decisiva que esse marco no direito eleitoral encontrou sua primeira e quase inexpugnável muralha e outros contratempos marotos e providenciais que buscavam pasteurizar a referida proposta, retirando-lhe o espírito e a essência originais.
À água cristalina que vinha das ruas foram acrescentados 14 novos dispositivos. Questões fundamentais para toda e qualquer nação que mire a modernidade de suas instituições, assegurando os princípios éticos da moralidade e da probidade administrativa, principalmente, por parte daqueles que exercem cargos ou mandatos públicos, sempre foi uma reivindicação histórica da sociedade brasileira, cansada e envergonhada da sequência de escândalos envolvendo a elite dirigente do país.
Por outro lado, os brasileiros começaram a perceber que a permanência de um subdesenvolvimento crônico e nefasto, tinha suas raízes principais fincadas na malversação do dinheiro público e na impunidade de seus autores. Era, por assim dizer, a Lei da Esperança. Desidratada pelo Congresso, por razões óbvias, a Lei da Ficha Limpa sofreria novos revezes e escalpelamento quando de sua passagem pelo Supremo Tribunal Federal, por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade e outras medidas.
Depois de passar por caminho pedregoso, a LFL, passados mais de 10 anos de sua promulgação, ainda hoje vem sendo alvo constante de questionamentos e outras reclamações por parte daqueles que se veem prejudicados com seu caráter incisivo.
Numa dessas últimas investidas, o recém-empossado ministro do STF Kassio Nunes, escolhido estrategicamente pelo atual presidente, determinou uma nova interpretação da Lei, em seu artigo 1º, inciso I, alínea “e”, com o propósito de retirar dela a expressão “após o cumprimento da pena”. Com essa medida, muito criticada por juristas, a contagem de tempo para a inelegibilidade passa a ser a partir da condenação em segunda instância e não mais do cumprimento da sanção, o que, em tese, encurta o tempo da pena e favorece muitos políticos enrolados com a Justiça.
O próprio presidente dessa alta Corte, ministro Luiz Fux, adiantou que não levará, tão cedo, esse tema para a apreciação do plenário, o que mostra o quanto a LFL ainda terá que se sujeitar até que, lá adiante, não cause mal algum aos nossos probos e intocáveis homens públicos, nossos representantes.
A frase que foi pronunciada
“Democracia não é só governar com quem concorda com você”
Guilherme Boulos se ouvindo enquanto fala. Ou não.
Mais perto
Muito boa a iniciativa da Administração do Lago Norte em se aproximar da comunidade com um gabinete itinerante. Hoje, o administrador vai se instalar no Núcleo Rural Aspalha, às 9h. Há também um WhatsApp para receber sugestão de outras regiões da jurisdição para receber o gabinete. Veja no Blog do Ari Cunha.
Pela vida
Observe que quem opta por proteger a vida é tachado como ultraconservador. Não faz sentido o ultramoderno abrir mão da existência humana. Com tantos aparelhos modernos hoje em dia é perfeitamente visível o início da vida, o batimento do coração, até as feições do bebê no útero. Chegou a hora de parar de repetir o que se ouve e pensar por conta própria. Veja um vídeo interessante sobre o assunto no Blog do Ari Cunha.
História de Brasília
Se a mudança da capital continuar como está, vai virar baderna, vai aumentar o favoritismo, vai ser dinheiro a rodo do governo para pouca realização. A folha de diária deve ser assim: um dia no Rio, um dia sem dobradinha. No instante a coisa moraliza.
(Publicado em 25/01/1962)