Visão do Correio

Vírus exibe as desigualdades

''O tamanho do Estado também tem de ser reduzido, para que os cofres públicos tenham recursos suficientes para impulsionar os setores produtivos e induzir o desenvolvimento social e econômico''

A pandemia do novo coronavírus expôs, em traços realçados, as fraturas sociais e econômicas do mundo, há séculos expostas. Não só os mais de 2 milhões de mortos serão lembrados. Pelo menos, mais 200 milhões de pessoas serão empurradas para a miséria e dela a maioria não sairá antes de 2030. Em contrapartida, os mil detentores das maiores fortunas do planeta recuperaram, em nove meses, as perdas com o colapso no mercado de ações, provocado pelo vírus. O apoio do governos para recuperar o mercado foi excepcional e sem precedentes, o que elevou a riqueza dos bilionários, enquanto a economia real enfrenta a mais profunda recessão de um século, revela o relatório O vírus da desigualdade, divulgado pela Oxfam Internacional no último domingo (24/1).

“Em todo o mundo, a riqueza dos bilionários aumentou em impressionantes US$3,9 trilhões entre 18 de março e 31 de dezembro de 2020. Sua riqueza total, agora, é de US$ 11,95 trilhões”, destaca o estudo. Segundo o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antônio Guterres, a pandemia “está expondo falácias e falsidades em todos os lugares: a mentira de que os mercados livres podem oferecer assistência médica para todas as pessoas; a ficção de que o trabalho de cuidado não remunerado não é trabalho; a ilusão de que vivemos em um mundo pós-racista; o mito de que estamos todos no mesmo barco. Estamos todos flutuando no mesmo mar, mas é evidente que alguns estão em superiates, enquanto outros se agarram aos escombros à deriva”.

A percepção de Guterrez não é isolada e está em sintonia com especialistas dedicados à avaliação dos indicadores socioeconômicos em âmbito mundial e local. No Brasil, as disparidades afetam, principalmente, mulheres, negros e comunidades indígenas e quilombolas “A pandemia de coronavírus expôs os riscos advindos de sistemas de saúde mercantilizados e subfinanciados; da falta de acesso à água e saneamento; do trabalho precário; das lacunas na proteção social; e da destruição de nosso meio ambiente. Revelou como nossos sistemas profundamente desiguais, racistas e patriarcais afetam particularmente os negros e negras e outros grupos racializados e excluídos no Brasil e no mundo”, ressalta Lúcia Maria Xavier de Castro, assistente social e ativista de direitos humanos, coordenadora-geral da ONG Criola, na publicação.

No país, 68,3 milhões de brasileiros foram atendidos pelo auxílio emergencial para sobreviveram durante a pandemia. O fim do benefício o não impactará só a economia em recessão. A cada 10 atendidos, nove ficarão ao Deus-dará. Isso sem contar que 14,1 milhões estão desempregados, e 13,5 milhões vivem abaixo da linha da pobreza. A desigualdade é um dos abismos a ser escalado para trazer à superfície mais de 10% da população brasileira.

A recuperação da economia e a possibilidade de investimentos em políticas sócias, que reduzam as desigualdades, passam pela aprovação de reformas engavetadas no Congresso Nacional. Entre elas, a tributária e administrativa. Não basta rever os percentuais que serão destinados à União e aos governos estaduais e municipais. Emerge com indispensável a criação de uma renda social, que assegure meios dignos de sobrevivência aos que pouco ou nada têm, assegurando-lhes acesso à saúde, à educação, ao saneamento básico e segurança.

O tamanho do Estado também tem de ser reduzido, para que os cofres públicos tenham recursos suficientes para impulsionar os setores produtivos e induzir o desenvolvimento social e econômico. Assim, é igualmente urgente rever o custeio da administração pública, com a eliminação de regalias incompatíveis com a miséria que campeia no Brasil. A reforma administrativa não poderá, diante do caos socioeconômico, trazido à tona pelo novo coronavírus, ser restrito do Executivo. É mudança que se impõe também aos Poderes Judiciário e Legislativo.