O tema da redação do Enem 2020 "O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira" acende a luz de alerta, sobretudo neste período dos impactos da pandemia da covid-19, das medidas de isolamento, sem beijos nem apertos de mão tampouco festas e aglomerações, afetando as relações interpessoais e consigo mesmo. Comportamentos que atingiram em cheio a sensibilidade, deixando um rastro de queixas de depressão, angústia e pânico. Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que só a depressão e a ansiedade possuem um impacto econômico global de um bilhão de dólares por ano. Para os estudantes, um desafio imenso redigir um texto dissertativo-argumentativo com opiniões e análise em torno do estigma, da doença mental e da sociedade brasileira. Certamente, muitos deles sentem na pele algum tipo de transtorno, se a experiência não é pessoal, é com alguém próximo.
Estudos indicam que em torno de 450 milhões de pessoas no mundo preenchem critérios para o diagnóstico de algum tipo de transtorno mental, dos quais 80% vivem em países de baixa e média renda. O conceito de doença mental não obedece apenas a critérios clínicos, mas também morais, históricos e culturais. O todo deve ser considerado para uma análise completa. No Brasil, estimativas recentes mostram que os transtornos depressivos e ansiosos respondem, respectivamente, pela quinta e sexta causas de anos de vida vividos com incapacidade, necessário considerar ainda o suicídio, importante causa de morte evitável. De acordo com a OMS, o suicídio é a terceira causa de morte de jovens brasileiros que têm de 15 a 29 anos. São pessoas que passam a conviver com estereótipos e estigmas que atingem não só a si, como também a família, os amigos e as instituições psiquiátricas.
O doente mental é, para muitos, uma espécie de pária social — não se fala sobre ele nem se comenta o que tem de fato. Simplesmente é isolado do convívio e, por vezes, confinado, gerando consequências sociais e econômicas — é a marca social, a cicatriz, o estigma. Do grego, a palavra “estigma” significa picada, feita com ferro em brasa no braço dos escravos, marginais e criminosos, representava a desgraça social. Não era relacionada aos transtornos mentais, mas associada à vergonha, humilhação e desvalorização, surgindo aí os estereótipos, padrões estabelecidos pelo senso comum, baseados na ausência de conhecimento sobre o tema.
A pergunta que fica é: como aquele que sofre com algum tipo de transtorno mental ou comportamental pode pertencer à sociedade de forma produtiva e participativa, sem estigma, nem o peso de estorvo ou inviabilidade, incluindo os dependentes químicos e de álcool, doentes, conforme Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID 10 de 1993, publicada pela OMS, não cabendo julgamento moral ou religioso sobre eles? Certamente, o caminho exige tratamentos específicos seja via Sistema Único de Saúde (SUS), seja em unidades privadas. Assistentes sociais passam os dias buscando convencer as famílias sobre a necessidade de reinserção social dos doentes e que o lar é o melhor local para eles, considerando que a psiquiatria humanizada, conforme a Lei nº 10.216, de 2001, contrária à institucionalização do paciente em reação a estereótipos e estigmas.
Na pesquisa de pós-doutorado, caminho com a convicção de que o percurso para inserção social é diretamente relacionado ao da informação e do combate ao estigma. Estudo publicado no Journal of Health Psychology, em 2006, destaca que a mídia tem papel preponderante no enfrentamento do estigma e do desconhecimento em relação às patologias de ordem mental, mostrando a necessidade de elaborar um “retrato” a partir da empatia e de informações precisas, incluindo novelas, séries e filmes.
Particularmente, acredito na mídia, principalmente na imprensa como instrumento essencial de transformação, apresentando os programas do SUS, indicando sua importância no âmbito da saúde mental, alternativas de participação daqueles que sofrem com transtornos psiquiátricos, provocando a reflexão e a mudança de valores, gerando novas atitudes nas gerações presentes e futuras.
* Jornalista, professora universitária graduada e jornalismo e história, com doutorado e mestrado em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente, desenvolve pesquisa de pós-doutorado sobre a estigmatização dos transtornos mentais e comportamentais e o papel da imprensa