Artigo

Liberdade de expressão e os censores da era digital

"O que assusta nesse momento é a quantidade de pessoas que se dizem "defensoras da liberdade" aplaudindo a censura"

Em 20 de janeiro de 2021, Joe Biden se tornará presidente dos Estados Unidos (EUA). Até lá, Donald Trump continua ocupando o cargo máximo da maior democracia do mundo. Mas esse fato não foi impeditivo para as gigantes de tecnologia deflagrarem o maior ataque à liberdade que vimos recentemente. O Twitter baniu permanentemente a conta de Trump com 88 milhões de seguidores. Facebook e Instagram também restringiram suas postagens. Obviamente, toda a esquerda comemorou a decisão, o que era de se esperar. Porém, o que assusta nesse momento é a quantidade de pessoas que se dizem “defensoras da liberdade” aplaudindo a censura. Algumas delas se chamam de “liberais” por pura covardia, quando na realidade não querem pluralidade de ideias no debate público. Com elas, não há como argumentar — sucumbirão alegremente a qualquer regime totalitário que permita apenas uma linha de pensamento. Mas acredito que boa parte das pessoas não se deu conta da gravidade desses acontecimentos e das consequências que eles terão daqui para frente.

Há três argumentos principais que precisamos entender para fundamentar essa discussão. O primeiro diz respeito à defesa da liberdade de expressão. A primeira emenda da Constituição dos EUA, que sempre serviu como farol da liberdade para todo o mundo ocidental, preserva o direito de cada cidadão de poder se expressar livremente. Apenas por meio da troca livre e irrestrita de ideias é possível defender nosso ponto de vista e criticar o que não concordamos, e, dessa forma, buscar soluções e construir um diálogo produtivo e benéfico para toda a sociedade. Infelizmente, muitas pessoas, hoje, menosprezam a liberdade de expressão por estarem tão habituadas a ela. A realidade é que sociedades que permitem liberdade de expressão são exceções na história da humanidade, não regra. Menosprezar o direito de falarmos livremente sobre qualquer assunto é o primeiro passo para abrirmos mão por completo dessa liberdade arduamente conquistada.

Hoje, as redes sociais são a única ferramenta pela qual a esmagadora maioria da população consegue se expressar ou se comunicar. Outra alternativa, que seriam as mídias tradicionais como tevê e rádio, estão disponíveis para uma parcela mínima da população se comunicar. E, mesmo assim, qualquer um que tenha espaço na tevê, mas esteja fora das redes sociais, terá muito menos alcance e relevância. Portanto, nossa capacidade de comunicação e nossa liberdade de expressão está totalmente nas mãos de três empresas—Google, Facebook e Twitter. Defender a suspensão das contas de Donald Trump por parte destas empresas, o que o torna praticamente invisível para todos, é defender um ataque direto à liberdade de expressão. Pode-se gostar ou não de Trump, e isso pouco importa. Mas, se podem fazer isso com o presidente dos EUA, qualquer um de nós poderá ser impiedosamente silenciado.

O segundo argumento, que tem sido muito utilizado por liberais, é de que o livre mercado proverá alternativas para as pessoas que estão sendo censuradas. Essa visão simplesmente não condiz com a realidade. Google (dono do YouTube), Facebook (que inclui Instagram e WhatsApp) e Twitter detêm um oligopólio do fluxo de informações no Ocidente. A perspectiva de que alguma nova empresa poderá surgir como guardiã da liberdade de expressão e ser uma concorrente dessas gigantes parece um sonho improvável. Basta ver o exemplo recente do Parler, que surgiu como uma alternativa ao Twitter e foi retirado das lojas de aplicativo da Apple e Google. Diante do poder inigualável que estas empresas acumularam em tão pouco tempo, não há como acreditar que o livre mercado irá simplesmente equilibrar este jogo. É pura ilusão.

O terceiro argumento é de que as empresas são privadas e podem fazer o que bem entenderem de acordo com suas regras. Ou seja, se quiserem excluir contas ou tomar qualquer outra providência, ninguém poderá reclamar. Esse argumento também é falacioso. O problema, neste caso, é que todas essas empresas se definem como “plataformas”. Isso quer dizer que elas, em tese, garantem um espaço para qualquer pessoa gerar conteúdo, mas não precisam arcar com a responsabilidade pelo conteúdo gerado. Isso é diferente de um jornal, por exemplo, que é responsável por tudo que é publicado em seu espaço. Ao censurar vozes dissonantes, as empresas de tecnologia estão se portando como editoras, não como plataformas. Se quiserem assumir uma linha editorial, terão de ser responsabilizadas por todo o conteúdo gerado nas redes sociais, inclusive o de ditadores como Nicolás Maduro, que continua gozando de sua liberdade digital.

Se não reagirmos e cobrarmos dessas empresas o mesmo espaço para diferentes linhas de pensamento, caminharemos a passos largos para a ditadura do politicamente correto, onde só será permitido falar quem coadunar com a agenda progressista hegemônica do Vale do Silício. Nossa esperança, é que muitos liberais adormecidos, acordem para o que está acontecendo, enquanto ainda puderem falar.

* Gabriel Kanner é presidente da Brasil 200