VISÃO DO CORREIO

Com Biden, meio ambiente volta à pauta

''A condução da política ambiental brasileira é crucial para que as relações entre os atuais governos brasileiro e norte-americano sejam amigáveis. Biden anunciou que os EUA voltarão ao Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário, e reforçará a tendência dos países desenvolvidos de migrar para uma economia verde, com redução das emissões de gases de efeito estufa, responsável pelas mudanças climáticas''

Em lugar de pessoas, 200 mil bandeiras perfiladas diante do Capitólio representaram norte-americanos dos 50 estados do país. Foi nesse cenário, em que os eleitores não estiveram presentes, pela primeira vez na história, devido à pandemia, que Joe Biden fez seu primeiro discurso, após ser empossado como o 46º presidente dos Estados Unidos. Ele conclamou os americanos a se unirem para reerguer o país, a “recomeçar do zero”. “Sem unidade, não há paz, há apenas amargura e fúria. Não há progresso, apenas indignação exaustiva. Não há nação, apenas um estado de caos. Este é o nosso momento histórico de crise e desafio, e a união é o caminho a ser tomado”, disse.

O primeiro desafio de Biden é imunizar os norte-americanos contra a pandemia do novo coronavírus. Em seguida, unificar o país, ou pelo menos reduzir a tensão entre republicanos radicais, apoiadores de Trump, e os democratas, uma das missões mais difíceis. Em grande parte, a vitória foi alcançada pelo voto de migrantes e afro-americanos, vítimas da violência dos supremacistas brancos. Além das fraturas ideológicas e sociais, Biden está desafiado a recuperar a economia. Com a crise sanitária, o desenvolvimento dos EUA encolheu. O desemprego chega a quase 7% da população economicamente ativa; o Produto Interno Bruto (PIB) recuou 3,5%, estando abaixo do nível pré-pandemia; e houve uma quebra generalizada de empresas.

O presidente Joe Biden, embora com maioria no Congresso, poderá ter dificuldades para elevar a carga tributária das empresas de 21%, fixada pelo antecessor Donald Trump, para 28%, como no período de Barack Obama. O pacote fiscal preparado pela equipe de Biden orienta as compras governamentais para as empresas norte-americanas. No entanto, só isso não será suficiente, e há quem aposte que a campanha para que todos comprem somente produtos nacionais terá pouca eficácia.

A guerra comercial entre os EUA e a China impactará o Brasil. Apesar de estar no polo oposto, Biden converge com Trump em relação à tecnologia 5G, desenvolvida pela concorrente chinesa Huawei. A China, no entanto, é a primeira parceira comercial do Brasil. Os Estados Unidos ocupam a segunda posição. Desagradar um ou outro deixa o governo brasileiro em situação delicada. A tecnologia chinesa aportou no Brasil. Biden não deverá ser tão radical quanto Trump, mas poderá estabelecer limites à chinesa.

A condução da política ambiental brasileira é crucial para que as relações entre os atuais governos brasileiro e norte-americano sejam amigáveis. Biden anunciou que os EUA voltarão ao Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário, e reforçará a tendência dos países desenvolvidos de migrar para uma economia verde, com redução das emissões de gases de efeito estufa, responsável pelas mudanças climáticas. Bolsonaro, por sua vez, coloca em dúvida o que diz a ciência sobre o tema, assim como Trump. Juan Gonzalez, indicado por Biden para o cargo de diretor sênior para o Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional, será o responsável por assuntos ligados à América Latina, entre eles, o meio ambiente. Gonzalez é um crítico da política ambiental do Brasil.

A Organização Mundial do Comércio (OMC) só espera uma orientação de Biden para estabelecer sanções comerciais aos integrantes que desrespeitam o meio ambiente e não combatem o trabalho infantil e escravo, como ocorria nos anos 1990. Nessa perspectiva, o Brasil também seria afetado na OMC, uma vez que perdeu o status de país em desenvolvimento, certo de que ingressaria na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com o apoio de Trump — algo que não se concretizou. Para evitar mais percalços, o Brasil terá de ter habilidade diplomática e adequar políticas à tendência mundial. Caso contrário, corre o risco de se tornar um parceiro esquecido.