FEMINISMO

O incômodo causado por uma vagina

''Quando Diva incomoda, quando provoca reações apaixonadas, ela cumpre o seu papel. Que venham mais Divas e mais arte para o mundo''

Uma notícia chacoalhou o mundo das artes nestes primeiros dias do ano e, desde então, tem causado polêmica: uma vulva de 33m de altura, por 16m de largura e 6m de profundidade encravada nas terras de uma antiga usina de cana-de-açúcar, na Zona da Mata de Pernambuco. A obra da artista plástica Juliana Notari, intitulada Diva, tem despertado paixão e ódio nas redes sociais desde que a pernambucana divulgou as fotos em seu perfil no Instagram.

Diva é resultado de 11 meses de trabalho e fruto de uma parceria entre a Usina de Arte com o Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam), do Recife. Juliana abriu a segunda fase do Projeto Residências Artísticas. Na primeira etapa, os artistas Márcio Almeida, Marcelo Silveira, Paulo Bruscky e Paulo Meira deixaram sua marca na antiga usina, desativada na década de 1980, e que tem sido transformada em um verdadeiro museu a céu aberto.

A polêmica em torno do trabalho de Juliana Notari tem uma razão de ser. Para uma sociedade machista e patriarcal, acostumada a uma arte essencialmente baseada em obras fálicas, a exposição de uma vagina gigante não só choca como abre feridas. A obra chegou a ser noticiada no Daily Mail, importante periódico inglês. Porém chamou a atenção uma atitude inusitada do jornal, que borrou a foto da obra, como se uma vulva fosse algo impróprio de ser visto por todos.

“Em Diva, utilizo a arte para dialogar com questões que remetem à problematização de gênero a partir de uma perspectiva feminina aliada a uma cosmovisão que questiona a relação entre natureza e cultura na nossa sociedade ocidental falocêntrica e antropocêntrica”, resumiu a própria Juliana, no Instagram.

Apesar da justificativa, Diva recebeu críticas, inclusive de mulheres. Entre as fotos publicadas pela artista, há algumas que mostram os 20 homens que puseram a mão na massa para levantar a estrutura de concreto e resina, e uma imagem gritou aos olhos de muitos: não havia nenhuma mão de obra feminina e a maioria dos trabalhadores era formada por negros.

Uma internauta chegou a publicar: “Uma escultura de vulva que ela descreve como um ato de resistência artística e problematização de gênero, mas que, para ser criada, usou praticamente só mão de obra de homens negros. Uma sátira do feminismo branco?”

Em entrevista ao Correio, Juliana analisou que esse processo vai além dela. “É uma conta grande, a qual eu não consigo segurar, de um passado escravocrata e colonial, que não fez reparação nenhuma.” Outros internautas lembraram que nem toda mulher tem vagina, em referências às mulheres trans. “Uma coisa não anula a outra. Além disso, não é uma disputa”, defendeu-se. Mas a artista prometeu considerar as críticas construtivas em próximos trabalhos.

A função da arte na sociedade é uma discussão antiga e muito aprofundada. Porém, para esta não especialista, somos enriquecidos por toda obra que, além de capturar a atenção dos sentidos, convida a repensar o mundo, rever conceitos, trocar as lentes. Quando Diva incomoda, quando provoca reações apaixonadas, ela cumpre o seu papel. Que venham mais Divas e mais arte para o mundo.