Gritos de guerra são tradicionais nas corridas militares. O sistema de preparação para o combate considera os aspectos psicomotores combinados com os cognitivos como essenciais para atingimento da higidez física e mental.
Servem também para instruir, de forma simbólica, que os objetivos, quando definidos, devem ser buscados insistentemente em qualquer ação a que combatentes se predisponham encarar.
Os puxadores de canção sentem a disposição da tropa e a estimula em uma batida ritmada de pés e mãos. O líder do grupo vai à frente para controlar a passada e evitar que os menos capacitados fiquem para trás e não concluam a atividade junto com todo o grupo.
Lembro-me do tenente Brian (saudoso comandante de pelotão) correndo com a alunada pelas ladeiras do Jardim Chapadão, bairro de Campinas, São Paulo, na época em que eu cursava a Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EspCEx).
Findo o impensável ano de 2020 — qualquer qualificação demeritória ainda será amena — e já nos primeiros dias de 2021 iniciamos, sociedade brasileira, uma corrida em forma.
Consideremos, figurativamente, que o Brasil é um pelotão que atravessou há pouco a linha de partida, os fogos de artifício do ano-novo (ainda bem, foram poucos), e saiu para uma longa e dura corrida de obstáculos sem definição da linha de chegada.
Sabemos que os puxadores da contagem estão desafinados e arrítmicos, e os líderes não se preocupam com a coesão, olvidando a retaguarda de sua tropa. Parecem correr sozinhos.
Portanto, estamos sem faróis a definir nossos rumos, desunidos emocionalmente e despreparados em organização.
Se assim persistir, enfrentaremos uma “Lurdinha” — temida metralhadora alemã empregada na Segunda Guerra Mundial — em um campo aberto semelhante àquele de Monte Castelo. Uma carnificina para nós, pracinhas contemporâneos.
Na preparação para o concurso da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), desafiador obstáculo acadêmico na carreira do oficial, havia um livro ao qual todos compulsávamos, cujo título era Espaços Geográficos (BIBLIEX - Tiago Castro de Castro).
A obra apresentava um passo a passo, ajudando a sistematizar as respostas às questões proposta pela banca examinadora. Treinava-nos a colocar no papel pautado o conhecimento adquirido nas muitas horas de preparação.
Digamos que nos fosse imposta uma questão da servidão citar: Considerando os campos do poder, quais os principais desafios a serem enfrentados pelo Brasil ao longo ano que se inicia?
É fácil esquematizar a tese. Os obstáculos são de conhecimento da maioria da população, que os sente na pele.
— O flagelo do desemprego, com mais de 14 milhões de desempregados;
— A luz amarela da inflação, efeito econômico desconhecido pelas novas gerações;
— A questão ambiental, agenda inconteste dos países que lideram as democracias ocidentais;
— Os desafios para a agroindústria, como fiel da balança de pagamentos;
— A readaptação ao multilateralismo, que crescerá com a vitória do presidente Joe Biden, nas eleições americanas;
— A falta de planejamento integrado, a prejudicar a sinergia de ações;
— A comunicação rasa, dificultando a compreensão por parte da maioria da população
— O nó de górdio do relacionamento diplomático do Brasil com o mundo, que precisará ser desfeito; e
— O combate implacável à pandemia do novo coronavírus. Dentre outros.
Nada tão complicado de deduzir-se para organizar o pelotão neste início de corrida.
— Pelotão! Corrida no mesmo lugar! Reagrupar! Ordenaria um bom tenente.
Um que liderasse de fato pelo exemplo. Que soubesse o quanto a intrepidez impensada, a irresponsabilidade, a vaidade e o pouco planejamento não são companheiros para o sucesso de seu pelotão.
“O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever!” A frase do Almirante Barroso, enunciada na Batalha de Riachuelo, serve de emulação a todos nós.
Paremos de atribuir responsabilidade apenas aos tradicionais Poderes configurados por Montesquieu. O povo, por primeiro, que assuma seu quinhão em direitos e deveres conquistados no amadurecimento da sociedade.
Ainda de Montesquieu, um pensamento para que se estabeleça como dogma: “a liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem.” Fora delas, é anarquia. Fora delas, do tenente ao recruta mais bisonho, é transgressão, quiçá, crime.
Somos parte da argamassa na construção de um mundo melhor. Podemos ser o líder e o puxador de cantos de nosso pelotão: a nossa consciência cidadã. E dentro da lei.
Paz e bem!
*Otávio Santana do Rêgo Barros é general e ex-porta-voz da Presidência da República