A pandemia, provocada pela escalada do novo coronavírus, não poupou vidas, destruiu competências, arrasou com pitonisas, avacalhou os profetas oficiais e não distinguiu fronteiras, nem categorias sociais. Expôs a tudo e a todos. Matou ricos e pobres. E demonstrou de maneira cruel incompetências que estavam escondidas. Não se deve julgar os militares brasileiros pelo desempenho do general Eduardo Pazzuelo no Ministério da Saúde. Nem os diplomatas, da ilustre casa do Itamaraty, pela performance do ministro Ernesto Araújo.
Mas, infelizmente, os dois se destacaram pela ineficiência, incapacidade de compreender o momento e perceber a gravidade de suas decisões. O general da Saúde, que está na ativa, assessorado por diversos militares, não percebeu a extensão e a gravidade do enorme problema que tinha à sua frente. Perdeu os prazos para contratar vacinas no exterior e adquirir seringas e agulhas. Um absurdo logístico imperdoável para qualquer militar, ainda mais para quem se anuncia como perito na área. É uma tragédia que lança inesperada suspeição sobre todos os militares. Eles deixam de constituir o segmento confiável pela sociedade.
O ministro de Relações Exteriores errou em toda linha. Permitiu que o presidente Bolsonaro agredisse com palavras o presidente argentino, depois de apoiar o candidato derrotado na eleição no país vizinho. Foi inoportuno e agressivo contra o presidente francês, Emmanuel Macron. E, por último, retardou o quanto possível o reconhecimento pelo governo brasileiro da vitória de Joe Biden na eleição norte-americana. Nos três casos, prejudicou seu país. Ainda achou espaço para criar problemas com o embaixador chinês, o representante do país que tem o maior volume de comércio com o Brasil, muito maior que o dos Estados Unidos, o segundo parceiro comercial. A Argentina é o terceiro.
Mas existe vida inteligente fora do Brasil. Até mesmo o negacionista Donald Trump mudou de opinião no final de seu governo e, rapidamente, comandou o processo para vacinar norte-americanos. Já imunizou milhões de pessoas. E referendou um gigantesco programa de auxílio-emergencial, que alcança o volume impressionante de US$ 900 bilhões. A ajuda foi combinada com outra ação de US$ 1,4 trilhão com o objetivo de garantir recursos para o funcionamento do governo até o fim do próximo ano fiscal, em setembro de 2021. O governo dos Estados Unidos vai fazer chover dinheiro na cabeça de seus nacionais. O total dos projetos de auxílio alcançam espantosos US$ 6 trilhões, ou 28,1% do Produto Interno Bruto do país.
O governo do Japão, segundo o Bank of America, prevê gastos de US$ 3,2 trilhões, ou 63% do seu PIB. Entre os europeus, a Itália pretende injetar 58% do PIB, a Alemanha, 54,2%, e o Reino Unido, 41,6%. O governo da China foi mais contido. Investiu apenas US$ 1,1 trilhão ou 8,2% de seu PIB. Esse é o novo capitalismo. Nas últimas décadas, os governos centrais foram obrigados a socorrer duas vezes os gigantes da economia. Os conceitos de Keynes (‘‘é preciso criar empregos nem que seja para abrir e fechar buracos’’) estão na moda. A China será o único país, entre os vinte maiores, a ter resultado positivo em 2020. Deverá crescer 2%. Em 2021 as projeções apontam para um salto de 7%.
Donald Trump cometeu erro brutal ao rejeitar a Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês), que reunia 12 países sob a liderança dos Estados Unidos, sem a presença da China. A decisão abriu oportunidade para a formação da Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP em inglês) na Ásia, assinada em novembro passado, entre 15 países asiáticos, que representam um terço da população e do produto bruto mundial, sob a liderança de Pequim, sem a presença dos Estados Unidos. Este novo desenho do poder mundial deve modificar profundamente as relações naquela área. A atuação deste novo bloco comercial vai provocar repercussões em todo o mundo.
O novo normal não será apenas a adoção do home office como atividade usual e o advento definitivo do comércio eletrônico. As relações entre os países serão diferentes. Haverá maior pressão para a proteção do meio ambiente. A pandemia deve deixar ensinamentos. Todos estão igualmente expostos, em qualquer lugar do planeta. É impossível ignorar o risco de vida. O mundo vai mudar e, por consequência, o Brasil será constrangido a contemplar a ciência como solução dos problemas e abandonar explicações rasteiras, provincianas e ridiculamente anacrônicas. Mas Einstein já disse que duas coisas são infinitas: o universo e a burrice humana.