Orlando Thomé Cordeiro
Consultor em estratégia
Há alguns anos, um experiente político contou-me a seguinte história. Em uma pequena cidade, foi inaugurado um clube que promovia festas com foco em saliências de vários tipos. O acesso era exclusivo a um pequeno número de moradores. Em pouco tempo, parte da sociedade começou a protestar, indignada com a situação de afronta à moral e aos bons costumes. Até que um dia, os donos do clube, ao se dirigirem ao local para abrir as portas, se depararam com uma multidão do lado de fora. Inicialmente, ficaram preocupados por achar que a campanha contra suas atividades estava crescendo. Porém, ao chegarem perto das pessoas concentradas na porta perceberam que, na verdade, era uma manifestação exigindo que eles permitissem a admissão de novos associados.
O relato acima guarda enorme analogia com a evolução da atividade política nas democracias ocidentais. E não precisamos ir muito longe. Basta acompanharmos o noticiário sobre as eleições da próxima segunda-feira para as presidências da Câmara e do Senado. A cada dia, são publicadas notas sobre adesões e traições de lado a lado. O que não faltam são intrigas. Colocando nosso olhar sobre a disputa na Câmara, percebe-se que as duas candidaturas mais fortes têm uma diferença evidente. De um lado, um candidato explicitamente apoiado pelo governo federal e, de outro, um que procura centrar seu posicionamento na defesa da independência do Legislativo frente ao Executivo.
É claro que o poder de fogo do Palácio do Planalto é muito grande, particularmente, na possibilidade de promover nomeações, exonerações, liberação de emendas. Diante disso, parlamentares das mais diferentes legendas se movimentam levando em conta seus interesses eleitorais imediatos. Esse tem sido o jogo jogado desde o início da redemocratização do país há 36 anos e, ao que tudo indica, deverá ser o critério a prevalecer na decisão de voto da maioria.
Posto isso, gostaria de trazer à baila uma indagação: devemos considerar que tal situação é inexorável ou há possibilidade de mudarmos a maneira de fazermos política no país? Sei que a resposta não é fácil, mas acho que devemos tentar.
Na última década, fomos surpreendidos pelo crescimento do nacional populismo em países com democracias representativas bastante consolidadas. Tal movimento chegou a países periféricos, como o Brasil, onde a democracia política é mais recente. Além disso, em países asiáticos e do leste europeu vimos o surgimento de gigantescos movimentos cívicos que levaram ao poder representantes eleitos com base na defesa de um Estado democrático, mas que, tempos depois, romperam com esse compromisso. O caso mais emblemático é a Turquia.
Parece-me evidente que a manutenção do crescimento do nacional populismo no mundo, neste século, vem ancorada em ideólogos cujas crenças e valores remontam ao período anterior ao Iluminismo. Recentemente, o pesquisador norte-americano Benjamin Teitelbaum lançou o livro Guerra pela eternidade, baseado em mais de 15 meses de pesquisa e entrevistas com ideólogos conservadores Steve Bannon, Olavo de Carvalho e Aleksandr Dugin, este último conselheiro do presidente russo Vladimir Putin.
Na obra, ele traz importantes elementos para demonstrar que a cruzada em curso contra valores modernos e democráticos deve ser identificada como “tradicionalismo”. Os seguidores dessa doutrina acreditam que a humanidade vive o final de um longo ciclo de declínio, que precisará ser concluído com destruição e renascimento. Para eles, tal declínio é marcado pela perda do conhecimento verdadeiro da religião e pela imposição de uma nova ordem social que torna o mundo massificado e secularizado. Segundo o autor, soma-se a isso uma motivação espiritual, religiosa, para o que poderia ser simplesmente uma agenda política do populismo antiglobalista e antiprogressista.
Portanto, fica claro que eles se unem em torno de um propósito bem definido e fazem a multiplicação de suas crenças usando com competência as redes sociais. No Brasil, parece-me evidente que os setores democráticos e progressistas foram, aos poucos, abandonando a ideia de atuação política baseada em propósito (não confundir com ideologia). Em seu lugar, passaram a agir levando em conta, exclusivamente, o pragmatismo. É a realpolitik, justificam. Porém, quando acordaram, o país tinha sido contaminado por visões retrógradas. Resta saber se, como sociedade, teremos capacidade de fazer um resgate ou se estaremos definitivamente entregues à lógica expressa no ditado que dá título ao artigo. Vai vendo...
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