DESAPARECIDOS

Os meninos de Belford Roxo

''As crianças podem estar perdidas, ou — imensamente pior — nas mãos de predadores. Mas, até agora, nem pista do paradeiro delas. Só muita agonia das famílias. É impossível mensurar o desespero delas. A mãe de Alexandre, Rana da Silva, disse que o pior momento é a hora de dormir. Ela fica pensando se os meninos estão com fome, se são maltratados''

Cida Barbosa
postado em 07/01/2021 06:00
 (crédito: Ilustração / Correio Braziliense)
(crédito: Ilustração / Correio Braziliense)

Lucas Matheus, 8 anos; o primo dele Alexandre, 10; e o amiguinho dos dois Fernando Henrique, 11, saíram de casa para jogar bola e não voltaram mais. Isso aconteceu em 27 de dezembro, em Belford Roxo, no Rio de Janeiro. Três crianças desaparecidas! Há 11 dias! Era para causar uma comoção nacional e mobilizar as autoridades. Não aconteceu nem uma coisa nem outra. Será que o pouco caso tem a ver com o fato de serem pretos e pobres? Será que, se os três fossem da cor e da classe econômica “certas”, haveria empenho maior nas buscas?

Mas os meninos têm quem grite por eles, quem faça barulho para mostrar a dimensão do drama. Os familiares já fizeram dois protestos pedindo mais agilidade nas investigações. Eles também tentam, por conta própria, encontrar as crianças. Já foram a hospitais, ao Instituto Médico Legal (IML) e a lugares onde os meninos poderiam ter passado.

E, mesmo numa situação de tanta angústia e desespero, a sordidez humana se faz presente. As famílias recebem uma série de trotes e até foram alvo de tentativa de extorsão — infames entraram em contato exigindo dinheiro para “revelar” a localização dos três.

As crianças podem estar perdidas, ou — imensamente pior — nas mãos de predadores. Mas, até agora, nem pista do paradeiro delas. Só muita agonia das famílias. É impossível mensurar o desespero delas. A mãe de Alexandre, Rana da Silva, disse que o pior momento é a hora de dormir. Ela fica pensando se os meninos estão com fome, se são maltratados. “Nós estamos sofrendo, e tenho certeza de que eles também”, lamentou-se.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019 mostra que, em 2018, 82.094 desapareceram no Brasil. O levantamento não traz dados de quantas das vítimas são crianças ou adolescentes, mas esse número absoluto dá uma ideia do problema no país. E uma das reclamações mais comuns das famílias é a falta de empenho do governo no enfrentamento do mal.

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, prometeu, no ano passado, que agiria contra essa chaga. “Milhares de crianças desaparecidas todos os anos, e nossa maior campanha é uma foto atrás das contas de água e energia. No governo Jair Bolsonaro, isso vai mudar”, assegurou, na ocasião. Seria a oportunidade, portanto, de a ministra entrar no circuito no caso dos meninos de Belford Roxo.

A Constituição, em seu artigo 227, determina que crianças e adolescentes devem ter seus direitos respeitados, com “absoluta prioridade”, por “família, sociedade e Estado”. Se não pela dor dessas famílias, ao menos por força da lei as autoridades têm a obrigação de mobilizar todos os esforços à procura de Lucas, Alexandre e Fernando.

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