Para fortalecer a minha resiliência nesta interminável quarentena, imposta pela nefasta pandemia de covid-19, foram de muita valia os livros que li, as lives e os documentários que assisti, quase todos tendo a música como protagonista. Esse é o assunto predominante, por exemplo, em De cu pra lua — Dramas, comédias e mistérios de um rapaz de sorte, autobiografia de Nelson Motta a qual me detive recentemente e que gerou matéria no Correio. Prazeirosamente, estive entre os espectadores das lives de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, Gal Costa, Simone e Teresa Cristina. Com total interesse revi longas-metragens sobre a Tropicália, os Beatles e o Festival de Woodstock.
O que me trouxe satisfação, por último, foi À flor da pele, documentário dirigido por Felipe Nepomuceno, exibido pelo Canal Curta, que joga o foco nas diversas facetas de uma das maiores estrelas da MPB, Ney Matogrosso. Misto de cantor, intérprete, ator e dançarino, ele se mostra por inteiro no filme. Essa antologia audiovisual tem início em 1973 ao destacar o vocalista do Secos & Molhados, grupo de estética andrógina que deixou como legado belas canções de temática social; e que saiu ileso dos embates com a censura em plena ditadura militar.
À flor da pele mostra as várias fases da trajetória desse artista camaleônico e transgressor, utilizando imagens de arquivo dos muitos shows que ele apresentou em cinco décadas, de vários clipes, entrevistas e depoimentos de personalidades das artes brasileiras como Chico Buarque, Milton Nascimento e Ziraldo, e de fãs anônimos. O roteiro conduz até o show Bloco na rua que, antes da pandemia, vinha cumprindo longa turnê pelo país, visto aqui na cidade em 8 de dezembro de 2019, no auditório master do Centro de Convenções Ulysses Guimarães.
No encerramento do documentário, um Ney Matogrosso conectado com a realidade, proclama: “Tenho consciência do exercício da liberdade. Somos livres e temos que nos manifestar sempre contra as injustiças. O que me deixa aliviado é que, paralelo ao conservadorismo, há um movimento de resistência e manifestação de liberdade muito forte da parte de uma juventude cheia de vida e tesão, que não tem governo nem nunca terá”.
Música à parte, o livro que agora estou lendo é A República das Milícias — Dos esquadrões da morte à era Bolsonaro, de Bruno Paes Manso. Sobre essa publicação, de caráter jornalístico, o antropólogo Luiz Eduardo Soares ressalta: “Esta obra rouba a inocência à boa consciência nacional. Ninguém poderá dizer que não sabia. A história da Nova República terá de ser contada de outro modo depois deste livro”.