Em 16 dezembro, Luciene Simão Silva, 42 anos, foi espancada pelo marido, em Sobradinho 2, distante 29km da Esplanada dos Ministérios. Na madrugada do dia 21, a dona de casa morreu em decorrência dos ferimentos causados pela agressão. Na véspera do Natal, a juíza Viviane Vieira do Amaral, 45 anos, foi morta a facadas pelo ex-marido, Paulo José Arronenzi, diante das três filhas — as gêmeas de 7 anos e uma de 9, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. As duas ocorrências configuram feminicídio — assassinato da mulher pelo fato de ela ser mulher. Os dois agressores foram presos.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, divulgou nota sobre o assassinato da juíza Viviane, e se disse comprometido “com o desenvolvimento de ações que identifiquem a melhor forma de prevenir e erradicar a violência doméstica contra as mulheres no Brasil”. Só no primeiro semestre deste ano, em meio ao isolamento social imposto pelo novo coronavírus, 648 mulheres (1,9% a mais do que em igual período de 2019) foram mortas pelo marido, ex-companheiro ou ex-namorado. Até setembro último, foram 82.250 ocorrências de violência doméstica. No ranking mundial, o Brasil é o quinto país mais perigoso para pessoas do sexo feminino. Aqui, o machismo é um dos principais gatilhos para as atrocidades. Os homens veem as mulheres como objetos, dos quais são proprietários, e apelam ao ato extremo, quando ela rompe com a união ou o namoro.
A aplicação das medidas protetivas, previstas na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), tem falhado no país. No período mais crítico da pandemia, os dados nacionais indicaram uma queda na concessão de medidas protetivas de urgência para as mulheres. No ar, ficou a suspeita de que elas, em razão do isolamento, não tiveram acesso à rede de proteção e aos canais de denúncia.
Além disso, há juízes que ignoram a legislação ou se recusam a aplicá-la. Poucos dias atrás, em São Paulo, o juiz Rodrigo de Azevedo Costa, durante uma audiência virtual de processo de pensão alimentícia com guarda dos filhos menores, afirmou que não estava “nem aí para a Lei Maria da Penha”. E acrescentou: “Ninguém agride ninguém de graça”.
O juiz ainda questionou as medidas protetivas: “Ah, mas tem a medida protetiva? Pois é, quando cabeça não pensa, o corpo padece. Será que vale a pena ficar levando esse negócio pra frente?” Ao tomar conhecimento do conteúdo da gravação, a Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo informou que apuraria a conduta do magistrado.
A letalidade do machismo revela que uma parcela dos homens precisa ser tratada. A mudança de comportamento não passa apenas pelas ações judiciais ou sanções penais mais rigorosas. Exige reeducação dos infectados pelo machismo, uma epidemia tão mortal quanto o novo coronavírus, que afeta a integridade de mulheres e de famílias há séculos. Os avanços na legislação intimidam os agressores, mas não têm sido capazes de detê-los. Muitos deles, infelizmente, acabam beneficiados pela omissão das vítimas e, ainda, pela leniência em instâncias do Judiciário.