ARTIGO

Fifa, COI e a censura a Jesus

''Enfrentar o debate contra o racismo, a homofobia, a xenofobia ou pela equidade de gênero é tão necessário quanto não censurar manifestações políticas ou religiosas. Saber lidar com esses debates também é sinal de evolução. Sob pena de entrar para a lista de intolerâncias''

Dois mil e vinte anos depois do nascimento de Jesus, o símbolo do Natal continua sendo crucificado, inclusive, no esporte. Talvez você não saiba, mas, em tempos de correta e necessária liberdade de combate ao racismo, à homofobia, de defesa da equidade de gênero e de outros temas considerados tabus até pouco tempo, a manifestação religiosa, por exemplo, é censurada pela Fifa e o COI na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos. Fazer referência a Cristo em atitude de fé é interpretado pelas entidades como ato perigoso. Na contramão, há quem veja na regra uma forma de intolerância à diversidade de credos.

Belas imagens como aquela do tcheco Ladislav Petras ou do ponta-direita brasileiro Jairzinho na Copa de 1970, comemorando ajoelhado no gramado, fazendo o sinal da cruz nos seis gols marcados por ele no Mundial do México, são inimagináveis em nosso tempo. Passíveis de julgamentos disciplinares e até de punições severas.

O movimento pela erradicação das mensagens religiosas, especificamente as referências ao nome de Jesus, cresce desde a Copa de 2002. Atos de Kaká, Lúcio e Edmilson incomodaram a comunidade do futebol. Os três ajoelharam-se no Estádio Internacional de Yokohama, no Japão, e fizeram uma oração de gratidão pela conquista do penta depois da vitória por 2 x 0 sobre a Alemanha. A partir dali, as regras ficaram mais rígidas.

Cristão eleito melhor do mundo em 2007, o brasiliense aposentado Kaká exibia a mensagem "I belong to Jesus" nas celebrações de gols e títulos. O também candango Lúcio expressava "I love Jesus" na celebração dos títulos do Bayern de Munique e da Internazionale. A tensão aumentou em 2009, quando o Brasil festejou o tricampeonato da Copa das Confederações, na África do Sul. A Fifa advertiu a CBF. Cobrou moderação na atitude dos jogadores.

Cinco dias antes do início da Copa de 2010, a Fifa vetou a exibição de mensagens religiosas durante as partidas. Era um recado direto ao elenco comandado, à época, por Dunga. Por trás da proibição havia o receio de que jogadores muçulmanos repetissem os gestos dos cristãos na Europa, criando uma disputa religiosa no esporte.

O COI criou cartilha para os Jogos de Tóquio após manifestação religiosa de Neymar na comemoração do ouro do Brasil no futebol na Rio-2016, Ele exibia na cabeça a faixa "100% Jesus" no Maracanã. A regra é clara para 2021: estão proibidos faixas ou cartazes, gestos como ajoelhar-se ou erguer o punho fechado e recusar-se a seguir protocolos do evento sob risco de punição. "É fundamental que o esporte seja neutro e separado da política, religião ou outro tipo de interferência", argumenta a norma publicada pela entidade.

Enfrentar o debate contra o racismo, a homofobia, a xenofobia ou pela equidade de gênero é tão necessário quanto não censurar manifestações políticas ou religiosas. Saber lidar com esses debates também é sinal de evolução. Sob pena de entrar para a lista de intolerâncias.