Opinião

Artigo: Indústria avança, apesar da falta de regulamentação para bem-estar dos suínos

Há diversas pesquisas que comprovam que o sofrimento animal impacta na qualidade do produto final

Nos últimos anos, assistimos ao fluxo do capital caminhar cada vez mais e de forma mais acelerada em direção a um modelo de economia de baixo carbono, mais sustentável. Esse movimento global, que prevê a alocação de capital alinhado aos princípios ESG (Environmental, Social and Governance), ganhou ainda mais força e escala entre investidores em 2020, com o coronavírus. Nesse contexto, o bem-estar animal se insere como uma questão relevante, que deve ganhar cada vez mais peso e força à medida em que evolui a consciência e a cobrança do consumidor por produtos que respeitem, também, a saúde dos animais.

Além da rejeição a práticas consideradas cruéis por um conflito ético, há diversas pesquisas que comprovam que o sofrimento animal impacta na qualidade do produto final. O sofrimento prolongado pode prejudicar no ganho de peso e, quanto mais estressado, mais debilitado fica seu sistema imunológico, deixando-o mais suscetível a doenças. No caso dos suínos, a porca matriz, uma vez inseminada, fica presa em uma cela individual, com espaço extremamente limitado que permite quase nenhuma movimentação, durante toda a fase de gestação, que dura quase quatro meses.

Além do desconforto físico, as porcas não conseguem interagir entre si e explorar o ambiente, nem construir ninho antes do parto. Como se não bastasse, problemas de saúde — como lesão nas patas, infecções urinárias, atrofia muscular e distúrbios comportamentais — são frequentes por conta da falta de atividade física. Considerado ultrapassado, esse sistema está condenado a ser substituído por parte relevante da indústria nacional produtora de carne suína pelo alojamento das porcas em baias coletivas até 2029.

Essa é a boa notícia identificada pelo Observatório Suíno 2020, estudo lançado em dezembro pela Alianima, ONG brasileira que atua na defesa do bem-estar animal. O estudo aponta o estágio de transição das empresas com compromissos públicos de banir celas de gestação no Brasil. São 10 companhias no total — entre produtoras de carne suína e redes de restaurantes —, que, além de terem estipulado prazos que variam entre 2022 a 2029 para o fim das celas gestacionais, foram analisadas em outros quesitos que causam sofrimento ao animal. Um dos pontos críticos são as mutilações em leitões. Castração cirúrgica, corte de cauda, dentes e orelha (mossa) — para identificação individual — são procedimentos corriqueiros na suinocultura, realizados sem nenhuma medicação analgésica ou anestésica.

A União Europeia é referência nesta agenda, embora ainda precise evoluir em alguns pontos. A legislação europeia permite, por exemplo, que as porcas fiquem nas gaiolas nas primeiras quatro semanas de gestação, por receio de abortos e retornos ao cio, o que também pode ser contornado, como apontam diversas pesquisas. A má notícia é que, no Brasil, falta regulamentação por parte do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O governo brasileiro ensaia a adoção de uma legislação para essa questão desde 2018, com a edição de instrução normativa de bem-estar na produção de suínos. O texto da minuta, no entanto, não está alinhado às tendências globais e aos compromissos já firmados pela suinocultura brasileira.

Em agosto passado, Alianima e outras organizações, com apoio da Comissão de Defesa Animal da OAB/SP, enviaram posicionamento ao Ministério da Agricultura com recomendações de ajustes ao texto. O principal ponto contestado é o prazo de 25 anos para os produtores se adequarem à gestação coletiva, considerado excessivamente longo, muito além dos estabelecidos voluntariamente pelas empresas que têm compromissos públicos. Da mesma forma, é muito extenso o prazo de 10 anos para banir da indústria duas das práticas que causam mais dor aos animais: castração sem uso de anestesia e analgesia e mossa. Especialmente se considerarmos que há, hoje, alternativas viáveis, como a imunocastração e o uso de brincos. Há preocupação ainda com a permissão do corte de cauda até três dias de idade sem o uso de anestésicos e analgésicos e o descarte de leitões com baixo peso ao nascer.

É papel do Ministério da Agricultura estimular a transição e não retardar o processo com prazos tão extensos. Quarto maior produtor e quarto maior exportador de carne suína do mundo, a indústria nacional precisa liderar esse processo de transição desde já, sob pena de perder competitividade, especialmente, no exterior. O Observatório Suíno 2020 traz luz não só ao mercado de agronegócio, como também aos consumidores, importantes agentes de pressão para a indústria e investidores.

* Patrycia Sato é médica veterinária e presidente da Alianima