O que era essencial virou secundário. O palco dos estudos foi desmontado, dando espaço para um show armado sem público, sem artista e sem espetáculo. São 253 dias corridos sem a presença da maioria de alunos em suas escolas. E são mais de três mil horas de crianças estudando na frente das telas de computador ou iPad, consumindo um novo vício: o excesso de telas. Sem as horas do videogame.
Foi desmontado o formato regular do curso de aulas presenciais. Assim, o show armado como nova plataforma híbrida de aprendizado, que é o on-line misturado com o remoto, ficou num cansativo vai e volta, abre e fecha. Sem público interessado, sem artistas motivados e sem o espetáculo participativo provocado pelo distanciamento, vive-se, na educação, um clima de frieza, descaso e omissão. Um caminho perfeito para a ineficiência.
O pior dessa história são as perguntas sem respostas definitivas:
— Quando isso tudo vai acabar? Onde isso vai parar?
Pensa-se em uma estrutura que tenta suprir o aprendizado, mas se esquece que existem extremos inconciliáveis. As instituições públicas e as privadas. Ambas, plenamente afetadas de formas diferentes. De um lado, estão os alunos de baixa renda, que dependem das escolas até para comer. De outro, os alunos inseridos no ensino on-line quase que 12 horas por dia, correndo para não perder o ano.
Pesquisadores alertam que a exposição às telas de computadores, celulares e tablets por crianças e adolescentes afeta o sono, a atenção, o aprendizado, o sistema hormonal (risco de obesidade), a regulação do humor (risco de depressão e ansiedade), o sistema osteoarticular, a audição e a visão.
O que, antes, era “proibido’’, virou aceitável. Agora, tornou-se até saudável. Estudantes expostos ao uso de telas, em média 50% do seu dia, correm perigo. Afinal, todo excesso e consumo desordenado de telas e ambiente virtual causam distanciamento e males físicos, além de desordem familiar, resultar em falta de rotina e perda de hábitos saudáveis básicos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) põem limites: crianças de até 5 anos podem ser expostas às telas por, no máximo, 1 hora/dia. E crianças maiores que 5 anos, no máximo, 2 horas/dia. Então, o que era recomendado como saudável passa a ser substituído por esse vilão do ensino remoto que se instala na vida das crianças e adolescentes, roubando-lhes o futuro.
O que será dessa geração daqui a alguns anos? Para onde foram as referências básicas de estudo, participação de grupo, capacidade de se relacionarem, sempre na busca de encontrar equilíbrio entre escolhas, ações e consequências? O impacto um dia chega.
A questão inicial volta:
— Onde isso vai parar? Já são mais de 253 dias corridos sem a presença da maioria dos alunos em suas escolas.
— Mais de 3 mil horas na frente das telas.
— Mais de 900 milhões de estudantes ainda longe das salas de aula.
— Quase meio bilhão de crianças não tiveram nenhuma forma de ensino a distância.
Sem luz do fim do túnel, algumas certezas já se concretizaram:
— As escolas não podem mais fechar!
— Os alunos precisam retornar o quanto antes!
— Escola não é um foco de risco para alunos e colaboradores, desde que tomadas as precauções e observados os protocolos oficiais.
Observa-se que países europeus e estados americanos, que já enfrentam um novo aumento no número de casos, não cogitam no fechamento das escolas. Além do fator gerencial ou empresarial das escolas (muitas já fecharam as portas em definitivo), os fatos demonstram que fechar escolas não é opção relevante para o combate ao novo coronavírus. Estudantes, nas escolas, estão mais seguros e mais saudáveis do que em casa.
Evidências cada vez mais fortes mostram que o ensino presencial não pode ser facilmente replicado ou suprido pelo aprendizado on-line. Crianças ausentes das escolas não significam crianças protegidas. O que se observa são famílias expondo seus filhos nas praias, em clubes, shoppings, praças públicas e até viagens.
Há um comportamento contraditório por partes de pais e governantes que, por tanto tempo, privaram alunos de retornarem às escolas, mas os mantêm expostos em áreas públicas. Até mesmo em contato com seus familiares, que continuam circulando para cumprir cronogramas de tarefas e deveres.
Até quando as crianças poderão esperar? O tempo urge. Há que se colocar um limite no eixo desse show. Com a vacina, que parece estar bem próxima, o essencial não pode virar secundário. O palco dos estudos há que voltar incorporando o legado das ações de quarentena, acrescidas das lições de amor, cuidado e solidariedade. Dois fatos afloram: ninguém está a salvo em uma sociedade desigual. E, importante, gente motivada, mais bem informada e confiante é muito mais eficaz do que gente policiada.
*Alice Simão, diretora da escola Kingdom Kids do Lago Sul