Márcio Holland
Professor na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP), onde coordena o Programa de Pós-Graduação Master em Finanças e Economia
Estamos encerrando um ano muito desafiador. Devido ao surto do coronavírus, a economia mundial experimentou um profundo choque de oferta, seguido de um choque de demanda. O colapso econômico mundial pode ser medido pela contração de 4,4%, prevista para este ano, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Desde a crise financeira internacional de 2008, constata-se um marcante aumento do endividamento público mundial. Nas economias avançadas, a dívida pública cresceu de 78% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2008, para 125%, em 2020. O mundo está crescendo bem menos, está bem mais endividado e o corredor do comércio mundial está bem mais estreito.
O Brasil não tem sido exceção à regra. Agravado por suas mazelas domésticas, vem se posicionando ainda pior neste ambiente global. Estamos a poucos dias do final do ano e quase nada sabemos sobre a situação fiscal de 2021. De acordo com projeções do Tesouro Nacional, o Brasil deve encerrar o ano com um deficit primário em R$ 844,3 bilhões, ou seja, 11,7% do PIB. As despesas da União passam de R$ 1,8 trilhão, graças, em grande medida, aos R$ 469 bilhões de despesas em resposta à crise da covid-19. A dívida bruta do governo central já passa dos 90% do PIB, sendo provável que permaneça acima dos 100% do PIB por vários anos. Diferente das economias avançadas, nossa dívida pública tem alto custo financeiro e maturidade muito curta.
Nessas circunstâncias macroeconômicas de curto prazo, quais deveriam ser as prioridades de política econômica? Não deveria pairar dúvida de que a prioridade do momento é a busca pelo equilíbrio fiscal de curto e médio prazos. Mas, como obter tal equilíbrio? Cortando gastos ou aumentando impostos? A literatura internacional recomenda programas de consolidação fiscal baseados em cortes de gastos, por serem menos recessivos no curto prazo, e promoverem mais rapidamente melhoria das expectativas dos investidores. Mas, no Brasil, a carne já bate no osso. Mais de 95% dos gastos públicos são obrigatórios. Desde 2015, as despesas obrigatórias consomem a totalidade da receita líquida.
Por causa disso, a aprovação da PEC Emergencial, em sua versão mais próxima da original, é muito importante para permitir a ativação de gatilhos para cortes de gastos. A flexibilização do orçamento público é parte estratégica e fundamental para a travessia por esses mares turbulentos nos próximos anos. Há, ainda, a urgência em se aprovar a reforma administrativa, em linha com decisões corajosas que o Congresso Nacional tomou ao aprovar as reformas trabalhista e previdenciária. E, por fim, é muito importante retornar as metas de resultado primário, a partir de 2021, mesmo que sejam ainda de deficits primários elevados, mas declinantes no tempo. Isso deve ancorar as expectativas dos agentes econômicos ao permitir um mínimo em termos de projeções de cenários fiscais.
Cabe refletir, assim, sobre a prioridade que deve ser conferida à aprovação de uma reforma tributária como a que pretende a PEC 45, de 2019. Qual é o sentido de, açodadamente, viabilizar uma proposta que promete, e não tem como entregar, crescimento econômico para daqui a 15 anos, mantém o emaranhado da vigente legislação tributária por 10 anos, aumenta a carga tributária de setores relevantes da economia e, por efeito dominó, eleva os preços de bens de consumo das famílias mais pobres? De resto, iria conferir ao Brasil a triste marca de campeão mundial de alíquota do imposto sobre valor adicionado.
Sobre as promessas de crescimento econômico vinculadas à PEC 45, é importante destacar a avaliação, veiculada no site da FGV, realizada por Pedro Valls e Emerson Marçal, econometristas muito qualificados, sobre o estudo, subscrito por Bráulio Borges, que estimou os impactos daquela proposta sobre a economia. Para eles: “Após avaliação criteriosa do estudo de Bráulio Borges, chegamos à conclusão de que o trabalho é preliminar, frágil e insuficiente, de modo a não permitir concluir sobre os impactos da PEC 45 como se apregoa e vem sendo amplamente divulgado”. Portanto, já sabemos o que fazer e o que não fazer. Resta, agora, esperar que o Congresso Nacional e o governo federal definam as prioridades. Mais de 15 milhões de desempregados e as vítimas da pandemia esperam por isso.