Menos de 12 horas após a vitória de Bruno Covas nas eleições municipais, o governador João Doria anunciou o regresso da quarentena à “fase amarela” na capital e outras regiões do estado. Com a alteração, estabelecimentos comerciais voltam a poder operar com apenas 40% da taxa de ocupação e pelo período máximo de 10 horas por dia. Na “fase verde” em que estávamos, não há restrição de horário e a ocupação máxima é de até 60%. A justificativa seria o aumento de casos de coronavírus no estado.
No entanto, o que salta aos olhos é o timing político com que essa decisão foi tomada. Doria nega qualquer associação neste sentido. Segundo ele, apenas a “ciência” dita as tomadas de decisão em relação ao combate à pandemia. O que também chama a atenção foi um vídeo publicado pelo próprio governador menos de um mês atrás, no dia 13 de novembro, em que ele garantia que não endureceria as restrições para estabelecimentos comerciais após as eleições. Doria classifica esta hipótese de “fake news” e diz que repudia quem estava espalhando esta informação.
Nos últimos meses vimos um verdadeiro festival de hipocrisia e duplo-padrão de políticos supostamente preocupados em “combater a pandemia” e “salvar vidas”. Em abril, o socialista Guilherme Boulos, que chegou ao segundo turno em São Paulo pelo PSol, escreveu: “Bolsonaro resolveu passear em uma padaria em Brasília e provocar aglomerações. É um hipócrita, que ameaça a saúde pública.” Durante sua campanha, Boulos promoveu diversas aglomerações, uma delas com milhares de pessoas no Largo da Batata. Este encontro foi nomeado pelo próprio candidato de “Mutirão da Virada”. Curiosamente, não vimos Boulos ser chamado maciçamente de “genocida” como foi feito com Bolsonaro.
Na noite após as eleições, dia 29 de novembro, Bruno Covas e João Dória caminhavam de mãos dadas erguidas ao céu, rodeados por um número enorme de apoiadores tremulando bandeiras e comemorando a vitória para a prefeitura de São Paulo. Na “festa da democracia”, a covid-19, respeitosamente, declinou o convite para participar das aglomerações. Esperou até o dia seguinte para voltar a circular. Foi a “ciência” que embasou a decisão do governo de São Paulo.
Outro caso interessante aconteceu na Califórnia, o estado mais progressista dos EUA. O governador democrata Gavin Newsom, enquanto defendia que as famílias californianas cancelassem as comemorações do Dia de Ação de Graças, importante data para os americanos, quebrou as próprias regras e foi flagrado jantando fora, sem máscara, em uma mesa grande com diversas outras pessoas. Após tentar negar o ocorrido, foi divulgada uma foto do encontro. Restou a Newson se desculpar dizendo que ele deveria “ter se comportado melhor”. A hipocrisia não é exclusividade dos políticos brasileiros.
Segundo projeção do Banco Mundial no relatório Pobreza e Prosperidade Compartilhada, até 2021, poderemos ter 150 milhões de pessoas no mundo jogadas em situação de extrema pobreza. A causa, obviamente, é a severa crise econômica provocada pelas políticas de lockdown mundo afora. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) admitiu, por meio do emissário David Nabarro, que nunca defendeu o lockdown como método primário de combate ao coronavírus.
Contudo, as medidas restritivas que estão destroçando nossa economia continuam sendo aplicadas como se fossem fundamentadas nos mais sofisticados estudos científicos. Sendo assim, a seguinte pergunta precisa ser respondida pelas autoridades brasileiras: quantas vidas foram salvas pelo lockdown? E agora, no estado de São Paulo, com a volta da “fase amarela”, quantas vidas serão salvas? Jamais saberemos a resposta.
A única certeza que temos é a de que, enquanto conseguirem aplicar diferentes métodos para controlar a população e cercear liberdades, nossas autoridades continuarão a fazê-lo, apesar das trágicas consequências na vida de milhões de pessoas. E quanto ao “vírus democrático”, também não resta dúvida: continuará sendo citado por demagogos hipócritas apenas quando for conveniente para suas respectivas agendas políticas.