Ser mulher em um país como o nosso, de cultura patriarcal, machista e racista, nunca foi fácil. Em pleno século 21, continua não sendo. Ao extrapolarmos a esfera privada doméstica reservada às mulheres e ousarmos ocupar espaços públicos de poder, tradicionalmente masculinos, como a política institucional, passamos a sofrer todo tipo de violências: interrupções em nossas falas, ameaças, cantadas, importunações sexuais, assédios, piadas, xingamentos, objetificação, desqualificações, atentados e até assassinatos brutais, como o de Marielle Franco. Essas múltiplas violências sofridas parecem nos dizer: “Mulheres, esse lugar não é para vocês, voltem para suas casas”.
A importunação sexual mostrada de forma acintosa, em sessão na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), na quarta-feira (16), quando o deputado Fernando Cury (Cidadania) passou a mão no seio da deputada Isa Penna (PSol), não é um episódio isolado, conforme ela mesma alertou ao denunciá-lo e pedir sua cassação ao Conselho de Ética da Casa. É parte da violência estrutural introjetada em nossa sociedade e da lógica patriarcal do fazer político. Os partidos políticos, majoritariamente dirigidos por homens, reproduzem essa dinâmica machista.
Faz quase um século que as mulheres conquistaram o direito de votar. No entanto, os direitos políticos das brasileiras foram equiparados aos dos homens somente em 1965. Em 1932, quando as mulheres conquistaram o direito ao voto no país, permaneceram vigentes discriminações que, na prática, excluíam muitas do direito ao voto. A combinação entre Código Civil e voto voluntário para as mulheres que não trabalhavam significava que o direito ao voto só seria exercido se autorizado pelo chefe da família, o marido. Na década de 1950, as mulheres representavam apenas um terço do eleitorado, segundo pesquisas. A exclusão política estava naturalizada, então, como uma dentre muitas atividades negadas às mulheres.
Se analisarmos a baixa representatividade feminina no Legislativo, no Executivo e no Judiciário, veremos que ainda há muito pelo que lutar. Considero que a plena integração das mulheres ao mundo político representa um dos fatores mais críticos para que alcancemos a democracia paritária e a igualdade de gênero no país. A violência praticada contra as mulheres que ousam ocupar espaços de poder na política, conforme a vivida pela deputada Isa Penna e por inúmeras outras mulheres candidatas ou eleitas no Executivo e Legislativo em nosso país, atua como uma barreira para o acesso, o desempenho e a permanência das mulheres nesses espaços.
Essas violências múltiplas, algumas vezes simbólicas, violam os direitos humanos e políticos das mulheres. Precisamos encarar o desafio de enfrentá-las, denunciá-las e puni-las. Precisamos transformar o machismo estrutural com ações preventivas como campanhas públicas e programas educativos, dentre muitas outras, tendo os homens como nossos aliados.
Estamos indignadas diante do comportamento repugnante e machista do parlamentar que tenta mostrar domínio sobre o corpo de uma colega deputada. Prestamos solidariedade à deputada Isa Penna. Exigimos, como sociedade civil, que medidas exemplares sejam tomadas para coibir violências políticas de gênero como essa. Essa realidade nos mostra que a estrada ainda é longa até que tenhamos igualdade de gênero na política brasileira. No entanto, temos demonstrado muita disposição em participar da vida política e partidária, apesar de todas as dificuldades.
As cotas de 30% de candidaturas e os 30% de recursos financeiros e de tempo de tevê e rádio são mecanismos que representam avanços, mas precisam ser aperfeiçoados. Por exemplo, aqui ao lado, na Bolívia, a legislação tornou a política paritária e, assim, atingiram nas eleições de 2020 a marca histórica de 56% de mulheres eleitas no Senado e de 48%, na Câmara. Vale destacar que, no Brasil, nos últimos anos, vem se fortalecendo um movimento importante de coletivos e organizações que buscam promover a maior participação política de mulheres nos espaços decisórios de poder. Ainda somos poucas, mas vamos seguir a jornada. Não voltaremos para casa.
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