Muitos de vocês devem lembrar de Jofran Frejat como sendo ex-deputado federal e candidato ao governo do Distrito Federal, posto para o qual não chegou a ser eleito. Outros têm a lembrança do renomado cirurgião que acreditava ser esta a sua verdadeira vocação. Eu conheci um Frejat diferente.
Ele era o secretário de Saúde do Distrito Federal, no início da década de 1980 do século passado, obcecado pela ideia de edificar um plano de saúde regionalizado, hierarquizado e de complexidade crescente, meio ao caos desesperador em que se encontrava o setor: filas imensas, superlotação de hospitais, denúncias de supostos erros médicos, enfim, um caos generalizado.
Nessa época, existiam quatro ou cinco postos de saúde e o atendimento primário, aquele em que o corpo médico e de enfermagem separam os casos de menor risco dos de maior gravidade, a chamada triagem inicial, era quase toda realizada no serviço de emergência do Hospital de Base, criando o caos.
O ex-senador Magalhães Pinto chegou a ironizar a situação ao afirmar que o melhor médico da capital era a ponte aérea. A saúde da capital, portanto, era uma piada federal.
O desafio de Frejat era imenso. Inspirado no sistema de saúde da Inglaterra, onde viveu e trabalhou, Frejat tinha a receita para dissolver o caos. Em pouco mais de dois anos, os cinco postos de saúde foram substituídos por 40 centros de saúde, que passaram a realizar o chamado atendimento primário, triando os pacientes para os hospitais regionais que, em boa parte, também foram construídos na gestão de Frejat. E o Hospital de Base passou ao topo da pirâmide, atendendo somente os casos mais graves.
O protagonismo de Frejat pode ser testemunhado por muitos que trabalharam ao seu lado, principalmente, os médicos e enfermeiras engajados no processo de mudança. Pode ser mensurado também pelos programas que implantou. Criou a figura do agente de saúde, uma novidade à época e, como tal, provocava alguma resistência. Com o apoio deles, apostou na imunização das crianças de zero a cinco anos. Foi protagonista no combate à poliomielite. Tanto que Alberto Sabin, médico polonês que criou a vacina das gotinhas, participou, em Brasília, da campanha nacional de vacinação a convite de Frejat.
Não ficou só nisso. Criou um programa inovador de aleitamento materno, reduzindo os números de óbitos por diarreia entre as famílias de baixa renda. Popularizou o atendimento dentário, substituindo a cadeira de dentista, antes uma parafernália de ferro e aço. Foram muitos programas criativos e inovadores.
A mortalidade infantil do Distrito Federal despencou. O índice de óbitos infantis acabou sendo o menor do Brasil. Em tempos de negacionismo, é bom recordar esses fatos. Hoje, o DF é um centro médico respeitado em todo Brasil, com bons hospitais públicos e privados, e muito se deve ao pioneirismo de Frejat.
Trabalhei com ele no começo da década de 1980 do século passado. Não o acompanhei na carreira política, mas tenho na memória a lembrança de um homem público criativo, inteligente, sério e trabalhador. Era tenaz e vibrante. Em tempos de pandemia, a retirada de cena de Frejat, aos 83 anos, é uma perda irreparável pelo brilhante administrador que foi, sempre obcecado com a ideia de que saúde é um direito a que todos devem ter acesso.
*Jornalista e pós-graduando em Marketing pela FGV