Bancos de desenvolvimento, ajudem-nos a apagar os incêndios em nossa casa

Neste novembro, enquanto enormes áreas naturais do Brasil recuperam-se de uma catastrófica temporada de incêndios, executivos de mais de 450 instituições financeiras de todo o planeta participaram, entre os dias 9 e 12, do primeiro encontro global de bancos públicos de desenvolvimento, o Finance in Common (FiC). O cenário de terra arrasada do Pantanal brasileiro, com suas chocantes carcaças de animais incinerados e sua vegetação virando cinzas, pode parecer distante dos debates sobre fluxos financeiros. Porém, um tem tudo a ver com o outro.

A relação se dá à medida em que os bancos de desenvolvimento do Brasil e de todo o mundo definem, em certo grau, o “pipeline” — para usar uma expressão típica do mercado —, de investimentos e de projetos cruciais para a economia. Suas escolhas podem direcionar a sociedade para uma recuperação justa e equitativa ou para o velho normal do pré-pandemia.

Em termos climáticos, isso significa que os fluxos financeiros controlados por essas instituições podem contribuir para estimular as iniciativas de resiliência de que os países tanto precisam ou agravar severamente os extremos climáticos, como as secas históricas que, somadas a outros fatores, propiciam o cenário ideal para os incêndios descontrolados em nossos biomas.

Por isso, ativistas de mais de 300 instituições da sociedade civil em diversos países aproveitaram o encontro inédito das instituições financeiras para enviar um recado simples: queremos que o dinheiro do contribuinte pare de alimentar as chamas que estão destruindo nossa casa comum e passem a ser usados em projetos de adaptação aos extremos climáticos, redução das emissões de gases do efeito estufa e promoção urgente de justiça social e racial.

O desafio é grande, mas as oportunidades também são. O volume de atividades dos bancos públicos de desenvolvimento chega a US$ 2 trilhões por ano, o equivalente a 10% de todo o investimento realizado no mundo, segundo os organizadores do FiC. O Brasil, aliás, é o campeão mundial em número de bancos de desenvolvimento: são 21 instituições desse tipo no país. No entanto, uma parte significativa dos recursos dessas instituições ainda é alocada nos setores que nos trouxeram à crise climática que vivemos, os de petróleo, gás e carvão.

Segundo relatório divulgado em outubro deste ano pela ONG alemã Urgewald, só o Banco Mundial emprestou mais de US$ 12 bilhões a projetos de combustíveis fósseis desde 2015, quando o Acordo de Paris foi assinado. Um caso emblemático foi a aprovação, em maio de 2020, de um empréstimo de US$ 38 milhões para a implementação da política brasileira de exploração de petróleo e gás.

Em plena pandemia, enquanto o mundo debatia pacotes de recuperação baseados em apoio a energias limpas e a pequenos negócios, o banco escolheu direcionar recursos para uma atividade que agrava a emergência climática, concentra ganhos nas mãos de algumas poucas empresas e gera desastres ambientais que prejudicam as comunidades mais pobres.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a mais conhecida instituição desse tipo no Brasil, também tem muito a melhorar nesse sentido. Um cálculo da 350.org feito com base em dados do próprio banco mostra que os empréstimos da instituição para projetos de petróleo, gás e carvão, entre 2009 e 2019, somaram mais de R$ 90 bilhões. Francamente, é uma cifra vergonhosa para um banco que destaca o desenvolvimento social em seu nome.

A falta de ambição e a ambiguidade de vários bancos de desenvolvimento nos fazem questionar: a preocupação com o meio ambiente e a assistência às comunidades mais vulneráveis não deveriam ser uma prioridade e, sobretudo, um tema transversal e obrigatório nas escolhas de financiamento, especialmente quando esses empréstimos são feitos com dinheiro público?

Não se trata, aqui, de negar os esforços que essas instituições cultivam ou os diversos projetos louváveis que viabilizam. Trata-se, isso sim, de dizer aos bancos públicos que a sociedade civil está farta do jogo duplo que as instituições financeiras ainda fazem e que o tempo para a hipocrisia climática acabou.

Pelos “tubos” que os bancos públicos de desenvolvimento controlam podem passar tanto a água que apagará os incêndios em nossos biomas quanto o combustível que nos levará a um cenário ainda mais infernal de extremos climáticos. A pressão da sociedade para que façam a escolha certa está aumentando. É hora de transformar os discursos bem intencionados em realidade.