Jorge Antonio Deher Rachid
Consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal do Brasil (2003-2008 e 2015-2018)
Pôr em prática ações voltadas para a retomada da normalidade na atividade econômica é fundamental para a agenda do momento. Os desafios para estabilizar as contas públicas e desacelerar a taxa de desemprego causados pela pandemia são enormes. O sistema tributário tem muito a contribuir para a superação dessa agenda, não só para permitir o necessário financiamento do Estado, mas, também, para não causar novos transtornos para os pagadores de tributos.
Há necessidade de maior reflexão quanto às propostas de alteração constitucional do sistema tributário que estão sendo priorizadas no Congresso Nacional, que tratam da tributação sobre o consumo. Teoricamente, são interessantes; porém, na prática, a realidade é outra.
Entre as preocupações quanto aos impactos das propostas no ambiente de negócios, há um ponto que certamente causará enorme complexidade para cumprir com a obrigação tributária. Trata-se do mecanismo de transição do sistema atual para o sistema proposto. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que tramita na Câmara dos Deputados estabelece, durante 10 anos, a redução anual dos atuais cinco tributos sobre o consumo e sua substituição, mediante aumento gradual da alíquota, para o denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Registre-se que o mencionado prazo somente se inicia depois de aprovada lei complementar que dispõe sobre normas gerais do novo imposto e editadas normas complementares necessárias para sua regulamentação. Assim, após iniciar a cobrança do novo imposto, os atuais tributos continuarão a ser cobrados por até 10 anos. Por longo período, dois sistemas tributários funcionarão simultaneamente e, ao que tudo indica, sem realizar as necessárias e urgentes correções dos defeitos já identificados nos tributos atuais, que provocam discussões intermináveis. Resultado: o contribuinte terá maior custo de conformidade tributária e mais insegurança jurídica devido à cobrança do novo imposto.
Na mesma PEC, está previsto também para o novo imposto vedação constitucional de concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários, inclusive de redução de base de cálculo ou de estabelecimento de crédito presumido. Ela também admite apenas uma única alíquota de imposto a ser aplicada em todas as operações de vendas de bens e mercadorias e de prestação de serviços. Além disso, os atuais mecanismos simplificados de apuração de tributos também deixarão de existir, permanecendo apenas o Simples Nacional.
O impacto das alterações propostas não será uniforme entre os setores econômicos e entre companhias do mesmo segmento, pois dependerá da estrutura de custos de cada uma das empresas. De modo geral, as empresas que prestam serviços terão aumento considerável do custo tributário diante da impossibilidade de creditar-se sobre seus maiores gastos. Por consequência, o repasse do impacto tributário ao consumidor final poderá ser limitado ou, se promovido integralmente, poderá causar pressão inflacionária.
Para exemplificar o impacto da proposta, serão altamente afetados a prestação de serviços de saúde, a comercialização de equipamentos destinados aos portadores de necessidades especiais, a comercialização de medicamentos de tarja preta e vermelha, a prestação de serviços de educação, os produtos de origem animal e vegetal, os aluguéis de imóveis e os serviços de tecnologia e de telecomunicação.
Em diversos países, a orientação é outra: há políticas públicas setoriais viabilizadas por intermédio de imposto incidente sobre o consumo. E pouquíssimos países possuem uma única alíquota desse imposto. A União Europeia autoriza também seus países a isentarem determinadas operações e há alíquotas diferenciadas. Destaca-se que benefício tributário é instrumento legítimo para adoção de políticas públicas. No entanto, é fundamental haver prazo certo de concessão, controle na aplicação e efetiva avaliação dos resultados esperados.
Se a mencionada PEC prosperar, estaremos diante de um cenário perfeito para o caos. E, provavelmente, muitas empresas e empregos ficarão pelo caminho. É preciso destravar o debate sobre as necessárias e urgentes mudanças tributárias infraconstitucionais e, com medidas objetivas, contribuir para a recuperação econômica célere. É momento para simplificar e não para complicar.