Otávio Santana do Rego Barros
General, ex-porta-voz da Presidência da República
Pouco por força podemos,
Isso que é, por saber veio,
Todo mal jaz nos extremos,
O bem todo jaz no meio.
(Sá de Miranda)
Sábado é dia de tarefas domésticas compartilhadas. Como de costume, nesse último (07 de novembro de 2020), eu e minha esposa saímos para ticar a lista de afazeres e ainda aproveitarmos para cumprimentar o general Villas Bôas, meu antigo comandante e amigo, pela passagem do seu aniversário.
Mas, não era um dia normal. O mundo acompanhava, sem fôlego, a apuração eleitoral na maior democracia do mundo ocidental. Há muito, a emoção havia sobrepujado a razão em ambas as torcidas.
Todas as tendências indicavam a vitória do candidato do partido Democrata, Joe Biden, sobre o atual presidente Donald Trump, do partido Republicano.
Já em casa, diante da televisão, comecei a zapear o controle remoto correndo entre os canais, independentemente da linha editorial, nacionais e internacionais, para entender o avanço, voto a voto, em cada estado daquele país.
Complicado e fora de moda esse sistema de apuração eleitoral. Viva o Brasil! Viva as nossas urnas eletrônicas.
“Tchan, tchan, tchan! (Lembrei-me do Repórter Esso) Breaking news: Joe Biden está eleito presidente dos Estados Unidos da América.”
Independentemente do vencedor, já é hora de curar as feridas e assinar a paz.
Alguns abalos ainda serão sentidos. O presidente Trump não se considera vencido e já se pôs a engraxar as armas para uma longa batalha judicial. Desafia os princípios consuetudinários acolhidos nas apurações daquele país.
Situação inusitada e que melindra a memória dos pais fundadores da nação americana e todos, em todo o mundo, que têm como referência a sólida democracia naquele país.
É justo buscar a justiça. Os republicanos devem insistir no esclarecimento. Até mesmo pela expressiva votação do presidente Trump — mais de 70 milhões de votos. Entretanto, é necessário que haja materialidade na demanda. Ao que parece, até este momento, não há.
Que lições podemos tirar dessa visão maniqueísta que se estabeleceu na sociedade americana? E talvez em alguns sítios da política mundial.
A primeira e mais importante é reforçarmos o espírito do homem cordial, expressão do escritor Sérgio Buarque de Holanda, na obra de referência antropológica Raízes do Brasil.
A nossa sociedade, ainda que esteja submetida a discordâncias de opinião, não se revela tão antípoda. Sou otimista, não chegaremos ao confronto físico que, em alguns momentos, configurou-se naquele país irmão.
Que seja a nossa maior peleja, da sociedade, não permitir que os líderes políticos, independente da coloração partidária, nos instile o veneno da aversão ao discordante. “A sã política é filha da moral e da razão.”
A segunda, encontrar fórmulas para fortalecer as decisões individuais dos eleitores, que lhes permitam tecer poderosos escudos contra invencionices de campanha e mentiras transformadas em verdade pela repetição.
E, por fim, que os políticos entendam: se você não governa para todos, não governa para ninguém!
Ainda em Buarque de Holanda, “a experiência já tem mostrado largamente como a pura e simples substituição dos detentores do poder público é um remédio aleatório, quando não precedida e, até certo ponto, determinada por transformações complexas e verdadeiramente estruturais na vida da sociedade.”
Eis o nosso grande desafio. Transformar as estruturas.
Boa sorte povo americano.
Boa sorte presidente eleito Joe Biden. Que o senhor possa materializar o que tantas vezes proferiu em seu discurso: “Vou governar para todos os americanos, os que votaram e os que não votaram em mim.”
O mundo agradecerá o seu exemplo.
Paz e bem!