Phillipe Orliange
Diretor regional da AFD, Agência Francesa de Desenvolvimento
Sérgio Gusmão
Diretor-presidente do BDMG, Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais
A luta contra a pandemia provocada pela covid-19 e seus efeitos está apenas começando. Enquanto isso, os problemas que nos afetavam antes das mudanças originadas pelo vírus continuam presentes e, em alguns casos, ainda mais fortes. O mundo e o Brasil ficarão mais desiguais, os desequilíbrios interregionais se acentuarão e as alterações no clima continuarão a se agravar. Dessa forma, além de interromper as cadeias de transmissão do vírus e reduzir as perdas humanas e materiais, é preciso aproveitarmos a energia da retomada para viabilizar a implementação de uma agenda efetiva e pragmática de desenvolvimento sustentável voltada aos desafios do século 21.
Mais do que nunca, necessitamos de um crescimento verde e inclusivo, capaz de integrar a necessária dinamização de uma economia, deprimida pelos efeitos da pandemia, à elevação da produtividade, à redução das desigualdades e à transformação da matriz produtiva e das cadeias de distribuição e consumo para padrões mais adequados do ponto de vista socioambiental.
Felizmente, o debate sobre os parâmetros e instrumentos desse tipo de recuperação amadureceu rapidamente nos últimos anos, e já oferece alternativas concretas em diferentes contextos. Na Europa, a Comissão Europeia lançou o “European Green New Deal”, programa que pretende mobilizar 1 trilhão de euros em investimentos nos próximos 10 anos, direcionando o continente rumo a uma transição profunda que o tornará carbono neutro até 2050. Na América Latina, a Comissão Econômica para América Latina (Cepal), das Nações Unidas, lançou recentemente um estudo com diagnóstico compreensivo sobre a emergência climática e social na região, com propostas para um novo modelo de desenvolvimento, mais igualitário e sustentável.
Tais iniciativas são aderentes ao novo paradigma de desenvolvimento estabelecido no pós-2015, pautado pela direção estabelecida nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), pelo combate às mudanças climáticas consagrado no Acordo de Paris e pelo compromisso ao Financiamento sustentável da Agenda de Ação de Adis Abeba (AAAA). Para saírem do papel, contudo, esses planos precisarão de instituições com recursos financeiros, humanos e operacionais adequados e trabalhando de forma inovadora, integrada e cooperativa.
Nesse contexto, recentemente, a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) assinaram um novo acordo que permitirá investimentos de até 70 milhões de euros em Minas Gerais e estados limítrofes, alinhando a estratégia de resposta à pandemia com projetos de investimentos em setores estratégicos e diretamente relacionados à implementação dos ODS. Essa não é a primeira vez que AFD e BDMG juntam esforços para o investimento de projetos sustentáveis no Brasil. A partir de um acordo de financiamento assinado em 2013, foram desembolsados 31 milhões de euros para investimentos sustentáveis em municípios mineiros para projetos de saneamento, tratamento de água e mobilidade urbana.
Além do volume de investimentos envolvidos na operação, esta parceria se insere no contexto do aperfeiçoamento da Agenda de Adis Abeba, no qual o papel das instituições subnacionais de desenvolvimento, como o BDMG ganha importância reforçada na garantia de implementação efetiva dos projetos. Por um lado, a AFD, de alcance global, possui expertise técnica e acesso a recursos financeiros em condições adequadas. Por outro, a agência passa a contar com um parceiro na ponta com 58 anos de experiência no território, e especializado em soluções adaptadas ao contexto brasileiro. Assim, a parceria permite a conexão efetiva entre a agenda global de desenvolvimento sustentável com as necessidades e demandas de empresas e governos locais, fazendo com que os recursos e produzam o impacto desejado.
O Brasil é um dos poucos países que possuem um Sistema Nacional de Fomento amplo, formado por uma rede de Bancos de Desenvolvimento, Agências de Fomento e Cooperativas de Crédito, que conhecem a fundo seus territórios de atuação. Desse modo, o modelo da parceria BDMG-AFD pode ser expandido, ampliando o alcance dessa estratégia e tornando-a o um vetor relevante para a implementação das estratégias de resposta à covid-19. Por meio de melhorias de processos internos, maior foco em impacto e parcerias com instituições internacionais, o SNF poderá responder à crise com uma rápida ampliação na carteira de investimentos sustentáveis.
A magnitude dos desafios contemporâneos exige de nós o que o Fórum Econômico Mundial chama de “O grande recomeço”. Para que esse “grande recomeço” seja real, os bancos de desenvolvimento terão um papel fundamental. Os 450 bancos públicos existentes no mundo movimentam 2 trilhões de dólares por ano, cerca de 10% do investimento mundial. No mês de novembro, será realizada, em Paris, pela primeira vez, uma cúpula mundial desses atores, no marco do Fórum de Paris para a Paz. Este evento será uma oportunidade única de promoção da atuação coletiva dos bancos públicos — explorando novos arranjos que darão maior concretude ao conceito de “grande recomeço”, com reforço do papel das instituições subnacionais. Mais do que nunca, precisamos de novos caminhos para o desenvolvimento.