MOZART NEVES RAMOS
Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados da USP – Ribeirão Preto
Em outubro, comemoramos o Dia do Professor. A mais importante das profissões, pois é a partir de um professor que se formam todos os outros profissionais. Entre esses estão os nossos trabalhadores da saúde, que vêm salvando milhares de vida do covid-19 e, de forma absolutamente justa, sendo reconhecidos como verdadeiros heróis nacionais. Muitos deles perderam a própria vida. E todos passaram um dia pelas mãos de um professor, desde a formação básica.
Todos nós temos um professor como referência. Eu ainda me lembro da professora Rosemira, lá do Instituto Domingos Sávio, em Olinda, na segunda série do ensino primário, que, com seu rigor, dedicação e carinho, foi quem primeiro me ensinou a importância de fazer as tarefas escolares. Depois dela tive o privilégio de passar pelas mãos de bons professores, tanto na educação básica quanto no ensino superior. Um deles, o prof. Câmara Lima, com suas aulas inspiradoras de física, no então Colégio de São Bento, fez desabrochar em mim o gosto pelo magistério.
Eu também poderia contar as minhas histórias como professor nos meus 45 anos dedicados ao magistério, ao ensino e à pesquisa. Mas quero aqui enaltecer o valor daqueles professores que tiveram de se reinventar neste ano de pandemia. Enclausurado em minha casa no Recife desde meados de março, pude conhecer muitos exemplos de superação de professores pernambucanos para evitar que seus alunos deixassem de fazer as tarefas escolares por conta da pandemia. Um deles foi o prof. Arthur Cabral, que, semanalmente, pedalava mais de 7 quilômetros levando a tarefa de casa aos seus alunos da Escola Estadual Deputado Oscar Carneiro, em Camaragibe, no Grande Recife. Como ele próprio disse, “a educação tem que chegar a todo mundo. Quando terminei a graduação, sempre achei que estava aqui para ajudar meus alunos. Se 20, 10 ou mesmo um não tiverem acesso ao ensino, não os terei ajudado”.
Outro belo exemplo de compromisso com o magistério veio do professor José Jovino, de 60 anos, que percorre mais de 15 quilômetros para entregar de porta em porta as atividades escolares na zona rural de Tacaimbó, no Agreste de Pernambuco. Todos os dias ele acorda cedo, imprime as tarefas semanais e sai na motocicleta para fazer a entrega.
Exemplos como esses nos mostram o real valor de um professor — inspirador, engajado e comprometido com seus alunos, seguindo à risca o Artigo 13, Inciso III da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, que afirma que caberá aos docentes a incumbência de zelar pela aprendizagem de seus alunos.
Professores como Arthur Cabral e José Jovino jamais serão substituídos pelas novas tecnologias. Por outro lado, nada os impede de tê-las à disposição para ajudá-los no aperfeiçoamento do processo de ensino e aprendizagem. Por isso, defendo que professores assim deveriam estar vinculados à formação inicial docente nos cursos de licenciatura das instituições de Ensino Superior, como preveem as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) produzidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e homologadas pelo Ministério da Educação.
Como relator dessas DCNs, procurei deixar muito clara a necessidade imperiosa de romper as atuais fragmentações curriculares nos cursos de licenciatura das universidades brasileiras. Nessa mesma linha segue-se a necessidade de se construir uma ponte orgânica entre tais cursos e as escolas públicas do país. E nada melhor do que incorporar, mediante convênios entre as instituições formadoras e as redes de ensino, a participação de professores inspiradores, engajados e de reconhecido valor na formação dos futuros docentes.
Os recentes resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2019 revelam o tamanho do desafio que teremos pela frente quanto ao cumprimento das metas de aprendizagens escolares postas no Plano Nacional de Educação (PNE). E quem melhor pode contribuir para alavancar tais aprendizagens, segundo pesquisas nacionais e internacionais, é a qualidade do professor, dentre os diversos fatores que se inserem nesse contexto, como a gestão escolar e a infraestrutura das escolas. Por isso, a valorização dos nossos professores é a garantia de um futuro promissor para o nosso país. Somente com pessoas bem formadas teremos alguma chance. E não podemos desperdiçá-la.