Começo contando aqui três exemplos recentes da nossa estupidez e da nossa hipocrisia. Um projeto de lei apresentado esta semana na Câmara prevê a exigência de exames toxicológicos para congressistas. Os testes seriam de “larga janela de detecção” e quem falhar para o uso de drogas ilícitas terá como pena a perda do mandato. A ideia é uma autodeclarada “retaliação”, não há preocupação alguma com possíveis colegas dependentes químicos. A autora, uma deputada bolsonarista, irritou-se porque um colega sugeriu punições aos que se negarem a tomar vacina contra a covid-19. Não há santos na história, mas hipócritas existem aos montes.
Na manhã da segunda-feira última, em Florianópolis, uma equipe de tevê, liderada por uma repórter, foi cercada e agredida por valentões (desses que reconhecemos de longe e só crescem para cima de mulheres e de um oponente em desvantagem). O pecado da jornalista Bárbara Barbosa e do repórter cinematográfico Renato Solder: registrarem estúpidos na praia, curtindo o feriado em local proibido por decreto municipal para evitar a propagação da covid-19.
Em meados de setembro, um juiz acatou a absurda e revoltante argumentação de um promotor que, segundo o site The Intercept, defendia uma modalidade de crime inexistente: o estupro culposo, ou seja, quando não há a intenção de estuprar. O acusado é o playboy André de Camargo Aranha. A vítima, Mariana Ferrer, uma jovem de 23 anos.
Surfando na onda do podcast Praia dos Ossos (impecável e necessário, ressalte-se), em que é contada a história do assassinato da socialite Ângela Diniz com quatro tiros no rosto pelo namorado, o playboy Doca Street, vale lembrar a aberração da “legítima defesa da honra”. Sob o argumento de ter agido por forte emoção após ser chamado de corno pela vítima, ele saiu do primeiro julgamento como príncipe e ela, como uma depravada, louca...
Quase meio século depois, o promotor de Justiça Thiago Carriço de Oliveira e o juíz Rudson Marcos mantêm uma tradição machista, nojenta, arcaica e covarde de transformar uma vítima (nesse caso, de estupro) em culpada pelas violências (físicas e psicológicas) sofridas. A história se repetiu, alguns dirão, pois ambos foram absolvidos no primeiro julgamento. Eu digo que piorou; todos saímos muito piores como seres humanos, como sociedade. A estupidez e a hipocrisia venceram novamente.