Nestes últimos meses, tenho tido sonhos estranhos e mais intensos. Sempre fui daquelas que, quando acordam, não lembram muito bem do que ocorreu durante o sono. Agora, sou capaz de contar tudo com riqueza de detalhes, como um conto, uma crônica ou, arrisco dizer, uma novela. O problema é que eles estão mais para pesadelos. Já houve filho sequestrado, briga feia com amigos, tentativa de fuga em perseguição assustadora... Só para citar os menos chocantes.
Coincidentemente, na última semana, surgiram na minha tela dois textos que falavam sobre o universo onírico. Paulo Pestana, na crônica dominical da Revista do Correio, lembrou do sonho peculiar que tanto ele quanto um amigo tiveram, e o neurologista Ricardo Teixeira escreveu, em artigo publicado no site do Correio, que um estudo comprovou que os nossos sonhos estão diferentes neste período de pandemia.
Eu, que sou supersticiosa por natureza, até respirei aliviada quando soube que pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco, estavam estudando o tema. E chegaram à conclusão, após analisar áudios gravados por voluntários sobre os seus sonhos que tiveram ao longo de 2019 e nas primeiras semanas pós-anúncio da pandemia, que os conteúdos durante o isolamento estavam mais relacionados a sentimentos negativos, como tristeza e agressividade, se comparados aos de antes do surgimento do novo coronavírus. Percebi, então, que não só eu não estava sozinha como era normal eu ter tido esses pesadelos.
Claro que o tema é polêmico, pois, a depender da perspectiva usada — ciência, religião ou cultura — o problema será visto de forma diferente. Em linhas gerais, o pai da psicanálise, Sigmund Freud, no livro A interpretação dos sonhos, escrito em 1900, expõe que os sonhos são o meio mais eficiente de acesso ao inconsciente, tem um significado sempre relacionado a um desejo reprimido, e as suas referências vêm de lembranças recentes. Como este ano não tem sido exatamente fácil para ninguém, faz todo o sentido.
Já Carl Jung, psiquiatra, psicoterapeuta e fundador da psicologia analítica, acreditava que o que lemos, ouvimos e vemos ao longo da vida afetam o nosso inconsciente de tal forma que criam o “inconsciente coletivo”, relativo à nossa cultura. Ao contrário de Freud, Jung enxergava os pensamentos oníricos como algo que tem uma finalidade, não uma causa. E que os sonhos são envoltos em símbolos que precisam ser analisados — o que também faz sentido.
Voltando ao nosso novo normal, uma pesquisa realizada com 100 enfermeiros em Wuhan, na China, onde os primeiros casos do novo coronavírus foram registrados, apontou que 45% estavam apresentando pesadelos — índice duas vezes maior do que a de pacientes psiquiátricos, por exemplo. O que, novamente, faz sentido, diante de todo o horror que vivenciaram.
Recentemente, duas amigas que não vejo desde bem antes da pandemia disseram que tinham sonhado comigo. Pelo menos o sono delas, garantem, tinha sido bom e tranquilo. Que seja um presságio de dias melhores!