Desde o início da pandemia, nesses inacreditáveis nove meses, um pensamento recorrente martela a minha cabeça: como será o Natal de 2020? Para quem perdeu alguém, para quem se perdeu no caminho quando os problemas desafiaram a sanidade, para quem perdeu o emprego ou fechou seu negócio... As festas de fim de ano já trazem, para alguns, nostalgia boa e encontros felizes; para outros, esperança genuína; para outros, ainda, uma certa tristeza e mais solidão. O que dizer deste ano?
Este foi um ano dificílimo para a maioria das pessoas e até para quem estupidamente nega a realidade. Ciente disso, procurei acalentar meus pensamentos com arte, já que a situação do país em meio à pandemia não é bem aquilo que podemos considerar um bom presságio. Assisti a filmes e li livros de Natal, dos mais fortes aos infantis. Reli duas vezes O Diário de Anne Frank, um hábito da adolescência que segue comigo todas as vezes em que os problemas apertam e acho que as coisas chegaram a um patamar insuportável.
Por que ler Anne Frank? Para enxergar ali um pouco de luz no caos. Estive no Museu do Holocausto, em Jerusalém, e foi uma das experiências mais marcantes da minha vida e da minha trajetória profissional. Visitei duas exposições sobre ela. Em uma delas, havia três perguntas que permearam o diário de Anne Frank, questões sempre atuais e não apenas para os jovens: Quem sou eu? O que vai acontecer comigo? O que é importante para mim?
Anne me remete e me joga no terreno da resistência, da perseverança, da coragem e da superação. Vasculhando textos sobre o assunto, encontrei a notícia sobre um cartão de Natal, assinado por ela para uma amiga, que fora encontrado por um antiquário. Dizia: “Muita sorte no ano novo”. Nem nos momentos mais angustiantes, devemos deixar de desejar coisas boas, inclusive sorte para quem amamos.
A pouco mais de 20 dias para o Natal, o pensamento martela mais forte e me leva a muitos lugares. Passo a me lembrar das conversas que tive com a minha tia postiça, Coy, e da história sobre uma árvore linda que ela conheceu esta semana, ali mesmo na Tijuca, depois de meses e meses de confinamento. Lembro das fotos que fiz para minha irmã acompanhar o estágio da construção do prédio aqui do lado de casa e de tantas pessoas que já não suportam mais as mazelas dessa pandemia.
Concentro-me agora na árvore da Tijuca, que pelo bem que fez e ainda fará à Coy — por ser simples e extraordinária, por ser vida. Prometo conhecê-la in loco, no Rio, na rua Professor Gabizo. Quero conhecer os símbolos de resistência e buscar textos, canções, livros que podem trazer para perto o que mais precisamos agora: coragem e esperança.
Como será o Natal? Será como decidirmos que seja, com a árvore do meio do caminho da minha rua, como a sua ou a Coy. Será como desejou Anne Frank: que traga sorte paruano (a forma como meu povo nordestino se refere ao ano que vem). Será como um lampejo de tempo, uma janela na nossa existência, onde cada um só terá sua luz interior para brilhar. Não deixe apagar a sua.
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