ALENTO

Bordando o bem-estar

''Um novo mundo, até então desconhecido, abriu-se''

Sibele Negromonte
postado em 23/11/2020 06:00 / atualizado em 23/11/2020 09:39

Não tenho nenhum embasamento estatístico para esta tese, mas posso garantir, sem medo de errar, que o número de pessoas que começaram a fazer algum tipo de trabalho manual durante a pandemia cresceu consideravelmente. Alguns indícios parecem comprovar isso. Na minha pequena bolha nas redes sociais, vários amigos vêm exibindo, orgulhosos, os frutos de suas criações.

Descobri que, na contramão da crise que assola a maior parte do comércio, uma grande rede de armarinho abriu uma loja próximo à minha casa, há dois meses, em plena crise sanitária. Segundo os funcionários, o movimento vai muito bem, obrigado — que o diga a dificuldade que tenho tido para encontrar materiais para os meus bordados.

Sim, também entrei na onda do artesanato. Logo eu que nem sabia que aquelas argolas de madeira usadas para firmar o tecido são chamadas de bastidores ou que existem linhas de meadas e agulhas com buracos tão pequenos que, às vezes, gasto horas só para conseguir passar o fio por eles.

Demorei um pouco para tomar coragem, pois achava que não levaria o menor jeito para a coisa. Mas, incentivada por uma amiga, comprei um curso on-line para iniciantes. Hoje, posso falar, sem sombra de dúvidas: foi uma das melhores coisas que poderia ter feito por mim nesta quarentena.

Um novo mundo, até então desconhecido, abriu-se. Descobri dezenas de sites, blogs, perfis no Instagram e no YouTube de pessoas que se dedicam à arte de bordar, seja por hobby, seja para ganhar um dinheiro extra. E os relatos quase sempre têm um ponto em comum: o trabalho artesanal ajuda a manter a mente sã e ativa, e, em alguns casos, até salva de uma possível depressão. Daí, a explicação de tanta gente ter recorrido ao trabalho manual durante o isolamento.

Os benefícios são científicos. Várias pesquisas foram feitas, mundo afora, sobre o efeito do ato de bordar, tricotar e crochetar na saúde — e não apenas mental. Em Harvard, um estudo concluiu que tais atividades manuais induzem a um relaxamento similar ao da ioga e da meditação, e pode reduzir os batimentos cardíacos, a pressão arterial e os níveis de hormônios ligados ao estresse.

Pesquisa com pacientes de dores crônicas do sistema público de saúde da Inglaterra apontou uma ajuda na redução do quadro de dor. Também houve estudos que relacionaram o tricô e o crochê à queda de risco de perda de memória e à melhoria de problemas de distúrbio alimentar.

O mais irônico é que cresci vendo minha mãe bordando e, apesar de achar lindo o trabalho que ela e os artesãos como um todo desenvolvem, nunca me interessei em aprender. Talvez nunca tenha me achado capaz e paciente para tanto. Frente ao enorme legado negativo dessa pandemia, pode parecer pouco, mas sou grata por mais esse alento.

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