» SANDRA NISKIER FLANZER - Psicanalista, pós-doutora em teoria psicanalítica pela UFRJ, escritora, professora da Casa do Saber, palestrante e TEDxTalker
Temos assistido ultimamente às mudanças substanciais no comportamento dos jovens, como consequência, entre outros fatores, do uso excessivo das ferramentas tecnológicas. Os dispositivos móveis transformaram o sujeito moderno em uma espécie de refém de uma enxurrada ininterrupta de informações, transmitidas maciçamente e sem intervalos.
Além de facilmente atingir níveis de adição, o uso sem limites das plataformas virtuais tem provocado uma inversão de valores: aquilo que surgiu como chance de inclusão recentemente enveredou para um mecanismo ainda mais potente de exclusão: o isolamento do próprio sujeito, ou de sua relação com a cultura onde vive, de seus laços sociais, desencadeando uma série de consequências psíquicas.
Os profissionais de saúde mental têm se deparado com esses diversos efeitos alarmantes entre os jovens: o aumento de casos de automutilação e ideias suicidas, aumento de diagnósticos de TDAH, além de insônia, crises de angústia, irritabilidade e outros fenômenos, cada vez mais frequentemente observados.
Com a pandemia, tudo isso se intensificou. A hiperconectividade, que já preponderava na cultura nas últimas décadas, tornou-se condição sine qua non do confinamento em domicílio. Por outro lado, a vilania dos dispositivos móveis teve necessariamente que ceder lugar à sua inegável utilidade, e os recursos tecnológicos passaram a ser o grande aliado para o enfrentamento da solidão e da reclusão compulsórias causadas pelo distanciamento social. Sobretudo entre os jovens, essas ferramentas passaram a ter uma importância fundamental.
Portanto, não se trata de criticar os evidentes benefícios que a tecnologia nos oferece, principalmente agora, em plena pandemia. Apenas é preciso registrar os sintomas psíquicos claramente observados por quem está lidando diretamente com essas dificuldades, advindas de uma nova realidade que se impôs, na qual o real tem sido amplamente substituído pelo virtual.
É imprescindível que possamos nos debruçar sobre as novas relações sociais que se dão através dessa profusão de telas, baseadas num jogo de espelhos predominantemente imaginário que tende a transformar os jovens, muitas vezes, em sujeitos narcísicos e supostamente autossuficientes.
Freud nos ensina que a transitoriedade da vida contém também a sua maior graça: o deleite que extraímos de uma flor se deve justamente à sua efemeridade. Mas, neste novo modo de se posicionar, frente aos excessos do isolamento ditado pelo uso das ferramentas digitais, o sujeito moderno acaba por substituir o passageiro (necessário, e capaz de dar algum sabor à vida) por esse estado de inquietude permanente, por uma hiperatividade que o faz pular de um lugar a outro, sem encontrar pouso. Fato complicado, sobretudo para um adolescente em tempo de se perguntar justamente sobre o seu lugar no mundo. Nesse sentido, a premissa inevitável de que a vida é transitória constitui algo muito diferente daquilo que vemos o sujeito fazer atualmente com seus laços sociais, sintomaticamente transformando-os num terreno escapadiço e sem durabilidade. Pois são os laços com o outro que definem o lugar de um sujeito na cultura em que vive. Somos feitos, e efeitos, de nossa relação com o outro.
Teremos aproveitado o tempo da pandemia para desejar, mais do que antes, os encontros físicos que sempre caracterizaram esses laços, o olho a olho? Teremos aproveitado o susto para valorizar a convivência com os outros, incluindo a tolerância que isso requer?O futuro reservado aos jovens depende do que fazemos hoje. Está em nossas mãos. Embora não seja algo que possamos decidir ''num clique''.
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