ORLANDO THOMÉ CORDEIRO
Consultor em estratégia
Numa campanha eleitoral nos anos 1990 presenciei uma cena peculiar. Um candidato tentava conquistar o voto de um colega de trabalho que, muito cético, aconselhava-o a desistir da empreitada, dizendo: “Você é um cara honesto e lá só tem safado. Não tem jeito. Precisa entrar no jogo e fazer parte do esquema.”. Após usar todo seu arsenal de argumentos, o candidato resolveu dar uma última tacada, perguntando: “E se você fosse eleito no meu lugar, o que faria?”. E o colega não teve dúvida: “Ora, eu entraria no esquema!”.
Lembrei-me dessa história vendo a pesquisa DataFolha feita em Belo Horizonte, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, onde se perguntou às pessoas se, em alguma situação, elas votariam em candidato investigado por corrupção. As respostas afirmativas foram superiores a 40% nas quatro cidades, sendo a capital carioca a campeã com incríveis 50%!
As duas principais justificativas para tal opção foram “quando o candidato defende as ideias e os princípios que o entrevistado acredita” e “se o candidato já tiver ocupado cargo público e tiver feito melhorias para a população”. Outro dado intrigante é ver que nesses municípios a esmagadora maioria dos entrevistados declarou que faz pesquisa sobre a trajetória dos candidatos antes de decidir o voto, especialmente se teriam sido acusados de corrupção. O que devemos pensar sobre esse retrato de parcela significativa da sociedade brasileira? E a que conclusões podemos chegar?
Sem a pretensão de refletirmos sobre nossas raízes ibéricas, proponho retornarmos ao ano de 2005 quando veio a público o escândalo conhecido como Mensalão. Em que pese toda a indignação provocada pela ação criminosa e as transmissões ao vivo das sessões de julgamento no STF, o então presidente Lula foi vitorioso nas eleições de 2006 e seu partido obteve uma votação expressiva para o Congresso Nacional. E em 2010 ainda conseguiu eleger sua sucessora, a até então pouco conhecida Dilma Rousseff.
Em 2013, o país foi sacudido por gigantescas manifestações marcadas por pautas diversificadas entre as quais aparecia a denúncia de corrupção envolvendo as obras para a Copa do Mundo a se realizar no ano seguinte. Em 2014, tem início a Operação Lava-Jato com foco em atos de corrupção na Petrobras. Apesar disso, a presidente Dilma consegue sua reeleição com uma diferença de 3,28% dos votos válidos.
Com o aprofundamento da Lava-Jato, que levou à prisão diversos políticos e grandes empresários, vimos, em 2016, a retomada das grandes manifestações, particularmente nas cidades com mais de 100 mil habitantes, nas quais as bandeiras principais foram a luta contra a corrupção e o impeachment da presidente Dilma, que se consumou em agosto daquele ano. Durante o governo Temer, houve um certo refreamento nas manifestações, à exceção da greve dos caminhoneiros em 2018, ano marcado por uma campanha eleitoral em que a população resolveu dar um basta a tudo que estava aí, elegendo Bolsonaro, além de diversos outsiders para governos estaduais e Congresso Nacional. Para muita gente, era o início de uma nova fase da vida política no país com a expectativa de continuidade da onda renovadora.
Porém, passados dois anos, o cenário é bastante diferente, com a combinação de dois fatores: de um lado, temos diversos segmentos da população bastante frustrada com a atuação de boa parte daqueles que se elegeram sob a égide da renovação e, de outro, a eclosão de novos escândalos de corrupção envolvendo diversos governos estaduais e municipais.
Por isso, não deveria nos causar espanto ver os resultados da pesquisa apresentados acima. Ela, em verdade, revela que essas pessoas, pragmaticamente, preferem escolher candidaturas que, de alguma forma, possam oferecer soluções paliativas para os seus problemas imediatos. Trata-se da conhecida e histórica barganha de votos por benefícios tais como a reforma de uma praça, a contratação de uma equipe de cabos eleitorais ou o recebimento de cestas básicas. Por outro lado, a dimensão da corrupção desvendada pela Lava-Jato, com desvios na ordem de bilhões de reais, criou uma escala de valores em que delitos menores sejam relativizados.
A corrupção é um mal que corrói a democracia, mas a simples denúncia da existência não garante sua necessária supressão. Há que se apostar na construção de candidaturas competitivas capazes de empolgar o eleitorado tendo por base sua credibilidade e capacidade para o exercício da função pública. Enquanto isso não acontece, continuaremos reféns do “rouba, mas faz”.