Antes mesmo de ser aprovada e estar disponível à população, a vacina contra a covid-19 segue politizada e motivo de trocas de farpas e agressões entre o presidente da República e governadores. Agora, a questão foi parar no Supremo Tribunal Federal, que deve se posicionar tanto sobre possíveis critérios para a compra da vacina quanto sobre se a vacinação deve ser obrigatória. Enquanto isso, os brasileiros e outros povos esperam ansiosos por um imunizante capaz de garantir proteção eficaz contra o novo coronavírus. Em todo o mundo, a crise epidemiológica foi muito além de uma gripezinha, com milhões de mortos.
Seria leviano supor que quase 160 mil óbitos em pouco mais de seis meses não sensibilizam as autoridades brasileiras. Trata-se de perda que não se mede apenas pelo número de mortos. O país e o mundo enfrentam a maior tragédia sanitária deste século, e ela está longe de ser superada, embora haja enorme esforço dos cientistas do planeta para a produção de vacina em tempo antes nunca visto, conscientes de que é a única arma possível para conter o inimigo da humanidade.
Afinal, a pandemia atingiu em cheio as economias mundo afora, com a maioria dos segmentos produtivos amargando prejuízos e vendo naufragar seus projetos e planos. Além disso, aqui e alhures, o aumento do desemprego aprofundou iniquidades sociais. No caso do Brasil, além da tragédia imposta pela covid-19, o país perde investimentos de grandes grupos nacionais e internacionais em consequência da reação de diversos países à política nacional para o meio ambiente.
No Congresso Nacional, as reformas tributária e administrativa enfrentam dificuldades para avançar, deixando em suspense a capacidade de o país superar os entraves fiscais, cruciais para uma retomada sustentável da economia.
Ora, o momento é inadequado, também, para abrir mais um front de conflito com o Judiciário. O presidente questiona se a Justiça poderia obrigar um cidadão a se vacinar. A princípio, essa não seria uma atribuição dos juízes, embora o STF tenha derrubado medidas equivocadas do Executivo. A imunização em massa deveria ser objeto de campanha diuturna das autoridades do governo. O artigo 196 da Constituição é explícito: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Diante do mandamento constitucional, é o poder público que deve, em primeiro lugar, zelar pela saúde da população. Enveredar pelo negacionismo, negligenciar a formulação de estratégia de imunização em massa, ou, pior inocular o vírus da desconfiança quanto ao trabalho da ciência seria, no mínimo, afrontar a Lei Maior.
Há o tempo para se eleger, e outro para reger a nação. Quem está à frente do poder não pode, ou não deveria, mudar as escalas de valores, impondo riscos desnecessários e incabíveis em um momento tão crítico quanto o imposto pela pandemia. É preciso considerar que a vida é o valor maior, e colocá-la em risco ou negligenciá-la, por interesses individuais, é gesto de desprezo inaceitável. A vida humana está acima de tudo.