Há pouco mais de um ano, o presidente Jair Bolsonaro pilotou manifestações públicas contra Dias Toffoli, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Seus correligionários acamparam na Esplanada dos Ministérios, alguns deles armados, e soltaram fogos de artifício contra o prédio do Supremo Tribunal Federal. A turma bolsonarista organizou manifestação na frente do chamado Forte Apache, comando do Exército em Brasília, para pedir o fechamento do Congresso e a reedição do Ato Institucional número 5. Os meninos do presidente insultaram os principais personagens do governo nas redes sociais. Agora, para surpresa geral, estão todos juntos, sorridentes e frequentando as mesmas reuniões sociais.
Tempos atrás, o governo não tinha nenhuma base parlamentar no Congresso. Perdeu todas as principais votações. Não havia liderança. Pressionado pela pandemia, gritava que não tinha nada a ver com a doença. E recomendava a cloroquina como remédio para evitar o vírus. E não obstante o desastre geral, urrava: “Vou intervir”. Ato contínuo, demitiu o Ministro da Justiça, Sergio Moro, para, de fato, interferir no comando da Polícia Federal. Antes, já havia despachado o ministro Mandetta que tentou conduzir o tratamento da covid-19 com respeito às normas fixadas pelos médicos.
O presidente Bolsonaro deu vazão aos seus delírios absolutistas. Ele se julgou um Napoleão tropical, capaz de abalar as tradições ibéricas entranhadas na sociedade brasileira. Mas todo Napoleão tem o seu dia de Waterloo, a batalha ocorrida na Bélgica quando o francês perdeu a guerra e o poder. O projeto de ditador tropical ouviu algum conselho importante. Parou a tempo. Percebeu que seria vítima fácil de um impeachment, uma vez que o Congresso Nacional é capaz de conduzir o processo de afastamento de presidente em pouco mais de 30 dias. Deputados e senadores conhecem os caminhos. Há precedentes.
Para surpresa geral, Jair Bolsonaro olhou em volta e percebeu que era o presidente de todos os brasileiros. Não apenas da sua turma. E que, para ser reeleito em 2022, precisaria de votos e apoios em todo o país. As travessuras dos filhos, tanto nas rachadinhas quanto nas ações do gabinete do ódio, já estão devidamente enquadradas, analisadas e estudadas no Ministério Público e no Supremo Tribunal Federal. Eles estão com a espada de Dâmocles sobre a cabeça. O presidente percebeu que seu mandato estava sob risco. E o poder poderia escapar entre os dedos.
A necessidade faz o sapo pular. Surgiu o novo Bolsonaro. Escolheu um personagem diferente e distante da fofoca brasiliense para ingressar no Supremo Tribunal Federal. Conversou com os integrantes. Conduziu pela mão seu indicado. Fez acordos com o Centrão, modificou todo o time de vice-líderes, recriou o Ministério das Comunicações, que recebeu a atribuição de gerir a comunicação do governo e administrar a Empresa Brasileira de Comunicação. Por último, dispensou o general Otávio Rêgo Barros, antigo porta-voz, símbolo da época em que o Palácio do Planalto tinha uma secretaria de imprensa. É outro governo.
Um detalhe. O general Rêgo Barros acreditou neste governo, lá no início. Trabalhou com afinco para tornar o presidente um produto mais palatável. Criou o café da manhã com os jornalistas, mas tudo se perdeu porque a comunicação do governo é realizada pelo gabinete do ódio, comandado pelo filho. O general não foi promovido, perdeu a quarta estrela, foi infectado pela covid-19 e, por último, dispensado das funções no Palácio do Planalto. Essa é boa fotografia da mudança de orientação do presidente. Ele caminha na direção de confraternizar com antigos adversários, inclusive na imprensa. Vale tudo para a reeleição em 2022.
É importante aprovar o projeto chamado de Renda Brasil, Renda Cidadã ou de qualquer outra designação. A partir de janeiro cessarão os benefícios dos programas emergenciais. A recessão virá com força. E o orçamento está no limite. Será necessário fazer escolhas. Alguém vai perder privilégio. Grupos vão se despedir de generosos subsídios. Falta dinheiro para pagar a nova modalidade de bolsa família, aquela mesma que sustentou os eleitores do Partidos dos Trabalhadores. Os extremos se tocam. Lula partiu da esquerda e veio para o centro. Bolsonaro saiu da extrema-direita e andou para o centro. Deixou um monte de viúvas protestando pelo caminho. Mas, nesse capítulo, há virtude. Ele olhou para a necessidade de vencer a reeleição para manter o grupo no poder. Engolir sapos é um saudável exercício da política.