O valor da liberdade

Ninguém consegue definir o valor da liberdade. Sabemos a sua importância para a vida, mas não conheço alguém que tenha estimado o valor objetivo de ser livre para pensar, falar e fazer. A tcheca Milada Horáková (1901-1950) foi uma das que traduziram o valor da liberdade com a própria vida.

Uma ativista advogada que lutou contra o nazismo e depois contra o comunismo, sempre defendendo a liberdade. Ela mostrou que não importa a origem ideológica do regime: os que não sabem conviver com a divergência sempre tentarão impor a vontade suprimindo a liberdade dos que pensam diferente. Esses regimes de violência e opressão tentam calar os opositores, pois não são capazes de convencê-los. O medo é o único “argumento” para que a sociedade aceite um único líder, uma única bandeira, um único partido, uma única “verdade”.

O filme Milada mostra os dois momentos marcantes da ativista que amava seu país e seu povo e sacrificou a vida à causa da liberdade. Viveu na primeira metade do século passado, resistindo à opressão na Segunda Guerra Mundial e depois na Guerra Fria. Teve na família o apoio de quem sabia que sua opção na passagem por esta vida era a luta pela liberdade.

Milada mostrou que os que lutam por suas convicções são muitas vezes injustiçados e sacrificam as pessoas que mais amam porque a solidariedade faz com que elas assumam como seu o sonho de liberdade de todos os que carregam a bandeira do combate à opressão. Sonhos que sonhamos juntos se tornam realidade, e o amor é a energia que nos faz lutar pela liberdade, pela dignidade e pelo direito de ter os próprios pensamentos.

Passados 70 anos dessa história, o mundo nos apresenta o mesmo cenário, como se vivêssemos a constante luta pelo direito de pensar, dizer e fazer o que queremos sem sofrer o impiedoso julgamento ideológico. Julgamento esse que condena quem pensa diferente, como se o divergente fosse necessariamente o inimigo. Se vivesse no Brasil nos dias de hoje, Milada teria lutado contra a disputa binária que nos obriga a ter lados em uma guerra, como se a nossa vida se resumisse ao “contra” ou a “favor”. Como Milada, não quero ser contra nem a favor, só quero ter a liberdade de achar e defender o que acredito. Apenas isso. Simples assim.

Vivemos no passado recente uma luta pela ruptura de limites impostos pelo preconceito — racial, sexual ou até mesmo ideológico. A luta trouxe à tona debates que confrontaram pensamentos conservadores, que resistiam a conceitos como os de liberdade de opinião. Os conservadores existem em qualquer lado do espectro político-ideológico, até mesmo os de extração religiosa. Mas não é fácil promover mudanças sem ultrapassar limites que produzem divergências.

Por isso, é preciso evitar o risco de ofender princípios que nortearam a formação familiar e religiosa, provocando uma guerra mortal entre lados que deveriam superar as divergências e se unir para que a sociedade possa evoluir. Toda mudança deve tratar o limite de cada um com o respeito e cuidado, como devemos tratar um irmão que divide conosco uma moradia, o que nos impõe regras de convivência baseadas no respeito aos sentimentos de quem se quer bem, mas que porventura pensa de modo diferente do nosso.

Essa guerra nos jogou em outro extremo. Passamos a conviver com a desconstrução de conceitos que confrontaram pensamentos conservadores e rotularam pensamentos diferentes como inimigos da sociedade, da família e, em alguns casos, até de Deus, como se Deus estivesse em um dos lados dessa guerra. Pensar, opinar e fazer diferente nos dias de hoje passou a ser o carimbo de um pensamento de cunho ideológico contrário ao establishment e, assim, inimigos do governo, da família e, acreditem, de Deus, como se isso fosse possível. Perdemos a capacidade de dialogar, de argumentar, de convencer. Nossas relações, hoje, são baseadas em estar a meu lado ou contra mim.

Faltam ingredientes para ponderar nossas relações nos dias de hoje. Precisamos resgatá-los para voltarmos ao marco civilizatório da sociedade. Precisamos de amor e tolerância em nossas relações. Pensar diferente não pode nos tornar inimigos. Mostra apenas que pensamos e, como seres inteligentes que somos, procuramos aperfeiçoar nossa convivência e nossas relações.

Sentenciada à morte, Milada Horáková diz as últimas palavras dirigidas à sua batalha pela liberdade: “Perdi a batalha. Parto com honra. Amo este país. Amo este povo”. Aqui, Milada consegue traduzir o valor da liberdade. Sim, ser livre significa ter vida. Se não temos liberdade, então, para que viver? Milada partiu desta vida, mas nos deixou um legado. Mostrou que a vida não tem valor se não temos a liberdade para escolher. Salve Milada Horáková, salve!

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