Águas do DF: dos conflitos às parcerias


Recurso fundamental, a água tem sido objeto de conflitos de toda sorte ao redor do mundo. Aqui mesmo, no DF, entre 2016 e 2018, vivemos momentos de tensão ao redor do tema quando enfrentamos uma crise hídrica. Nenhuma crise é boa ou desejada, mas é sempre oportunidade para a revisão de valores e atitudes, bem como de construir mecanismos para que ela não volte a ocorrer. Nesse contexto, em vez de fonte de conflitos, a água se tornou elemento de integração e união na busca do bem comum. E os indícios são fortes de que aprendemos essa lição.

Percebam que passamos por 120 dias sem chuvas, um dos períodos mais longos da história, mas nossos reservatórios ainda apresentam níveis de armazenamento de água bem acima do esperado. As chuvas da última estação úmida ajudaram e a população vem consumindo a água de forma mais consciente. Porém, depois de uma sequência de anos secos, não restam dúvidas de que os avanços na gestão e na infraestrutura hídrica têm papel extremamente relevante para o bom quadro atual.

Destacam-se as ações implementadas, de forma coordenada e integrada, entre a Adasa, a Caesb, a Seagri e a Emater, respectivamente, o órgão gestor dos recursos hídricos e os representantes dos dois setores que mais utilizam água no DF: abastecimento humano e irrigação. A boa notícia é que as ações em conjunto não cessaram com a superação da crise, agregando ainda mais parceiros pelas águas do DF.

Nos últimos dias, mais um grande passo foi dado para o aumento da segurança hídrica no DF, a entrega da obra de tubulação do Canal Santos Dumont, na Bacia do Ribeirão Pipiripau, que, há mais de 20 anos, convive com frequentes conflitos pelo uso da água entre agricultores e a população de Sobradinho e Planaltina, afetando mais de 200 mil pessoas.

Ainda em 2019, foram feitos cortes no abastecimento dos usuários da água da bacia. Poderia ser apenas mais uma obra, mas a forma pela qual se cumpriu esse desafio merece ser registrada, pois é exemplo de ação conjunta, articulada, de longo prazo, envolvendo diversos atores, incluindo a população urbana e os produtores rurais.

Em razão dos conflitos, em 2010 foi implementado um grande projeto na bacia, o Projeto Produtor de Água do Pipiripau, com a atuação conjunta de 17 instituições. Foi criado um grupo de trabalho específico para promover a reforma do Canal Santos Dumont, a maior estrutura de captação de água para irrigação na bacia, com o objetivo de reduzir as perdas hídricas ao longo de seus 20km de extensão. Foi aí que tudo começou.

A primeira reunião do grupo com os produtores foi um choque, pois eles se mostraram incrédulos com mais uma “promessa” de solução do problema. Depois disso, a Embrapa Cerrados coordenou a avaliação das perdas no canal, e a Adasa financiou o projeto executivo, tudo em parceria com as equipes da Caesb, da Seagri e da Emater.

Com o projeto em mão, foram algumas tentativas frustradas de obtenção de recursos. Contudo, com a crise hídrica, a Adasa instituiu a Tarifa de Contingência, que foi recebida e operacionalizada pela Caesb. Nesse contexto, foram adquiridos os tubos para a reforma de vários canais para fins agrícolas no DF, entre os quais, o Santos Dumont.

Os tubos de menor diâmetro foram instalados em ação articulada entre a Seagri, a Emater e os próprios produtores. Para a instalação dos tubos no Canal Principal, de maior diâmetro, foi necessária a contratação de empresa especializada, o que se viabilizou com o uso de recursos do pagamento pelo uso da água ao Comitê de Bacia Federal do Rio Paranaíba, que, conforme a lei, devem retornar em ações de melhoria das condições hídricas da bacia onde são captados, como em um condomínio.

O rápido desenvolvimento do DF nos impõe grandes desafios, mas, atuando em parceria, estamos muito mais preparados para enfrentá-los. Vamos em frente. Juntos pelas águas do DF.

*Jorge Werneck é doutor em hidrologia e diretor da Adasa