As idas e vindas do governo quanto ao novo programa social que substituirá, no próximo ano, o auxílio emergencial e o Bolsa Família, agora denominado Renda Cidadã, só contribuem para aumentar a desconfiança dos agentes econômicos em relação ao cumprimento das metas fiscais. Por isso, bem fez o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao rejeitar, de forma veemente, o uso de precatórios — recursos devidos pela União após decisão judicial — para o financiamento do programa de ajuda aos cidadãos menos favorecidos.
O mercado reagiu muito mal depois que a possibilidade foi defendida publicamente, no início da semana, pelo vice-líder do governo e relator da proposta de emenda à Constituição (PEC) que viabiliza o Renda Cidadã, senador Márcio Bittar. A Bolsa de Valores caiu e o dólar subiu, num claro sinal do mercado de que, se tal medida for adotada, o governo estará dando calote em seus credores e não se mostra tão preocupado com o teto de gastos.
Além da utilização dos precatórios, o parlamentar defendeu, também, o uso do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para bancar o novo programa social. Analistas entendem que as duas sugestões apontam para a elevação do endividamento interno e uma flexibilização indireta do teto dos gastos públicos, que permite o aumento das despesas ao índice de inflação do ano anterior. Em relação ao Fundeb, especialistas consideram o desvio de recursos da educação básica mais uma agressão ao combalido setor.
O ministro foi claro no repúdio ao uso dos precatórios, ao afirmar que essa fonte de recursos “não é saudável, limpa, permanente ou previsível”. Chegou a chamar a proposta de aliados do Palácio do Planalto de “puxadinho” e disse que o governo honrará todos os seus compromissos. “Nós temos que aterrisar esse auxílio em um programa social robusto, consistente e bem financiado. Como é uma despesa permanente, tem de ser financiado por uma receita permanente, não por um puxadinho”, destacou.
O condutor da política econômica do governo, embora tenha se posicionado contra a utilização dos precatórios, admitiu que pensa em passar um pente-fino nessa despesa. Para evitar o estouro do teto de gastos e na busca do controle dos mesmos, Guedes quer examinar com lupa a explosão do dispêndio com as decisões da Justiça contrárias ao governo. Na avaliação dele, há no Brasil uma “indústria de precatórios”, lembrando que a despesa passou de R$ 10 bilhões no governo Dilma para R$ 54 bilhões na atual gestão.
No momento, o que o governo menos precisa é de malabarismos financeiros para a criação do Renda Cidadã, que foi chamado de Renda Brasil. Inegável a necessidade da ampliação do programa social de ajuda aos mais necessitados, mas que seja feito dentro das regras do teto de gastos. Não pode ser pisoteado de forma alguma, para que o país possa promover o tão almejado ajuste fiscal.