Quando Márcio de Souza, escritor e professor nascido em Manaus, foi convidado pela Universidade de Berkeley, na Califórnia, para ministrar o curso chamado Images of the Amazon, ele esbarrou na realidade de não haver um único livro sobre a história da Amazônia. Existem relatos parciais, obras de história dos estados do Amazonas, do Pará e do Acre. E narrativas de viagens de estrangeiros, observações científicas de pontos específicos da imensa área. Mas nenhuma visão abrangente sobre a região. O professor recolheu fragmentos dessas experiências e incluiu a sua para escrever uma apostila, impressa no mimeógrafo em Berkeley, que, posteriormente, foi ampliada e transformada no livro História da Amazônia, editora Record, São Paulo, 2019.
O texto é referência fundamental para quem deseja conhecer o que se passou naquela imensa região desde a chegada dos europeus à América. Eles buscaram meios e modos para lucrar na exploração dos enormes recursos naturais. O processo civilizatório foi violento. Incluiu uma guerra civil, a Cabanagem, que provocou a morte de quase trinta mil pessoas, um quinto dos habitantes da época. Foi a revolta contra sua incorporação à força ao Império do Brasil.
O povo do norte do país desejava permanecer ligado a Lisboa. Portugal era um Império organizado e mais tradicional que sua antiga colônia. O capitão inglês John Grenfell, mercenário a serviço do almirante Cochrane, ameaçou bombardear Belém depois de prender e matar resistentes. As autoridades locais aderiram, contra vontade, à Independência do Brasil, em agosto de 1823.
A vingança foi cruel. A Amazônia foi esquecida. Os governos brasileiros viraram as costas para os povos da floresta. O marechal Rondon andou por Mato Grosso, instalando postes da linha telegráfica, no início do século passado. A rodovia BR 364 caminha pela rota que o militar traçou. Hoje, os incêndios que lavram na Amazônia provocam brasileiros e estrangeiros. Mas a discussão atual não admite vencedores. Cada um defende seu pedaço. Missões religiosas pretendem catequizar índios para ensiná-los a falar e ler algum idioma, que pode ser francês, inglês, alemão ou português.
A borracha emergiu como produto capaz de gerar muito dinheiro no final de século 19. Manaus conheceu grande prosperidade. É dessa época a construção do magnífico Teatro Amazonas na cidade que foi a segunda no país a ser iluminada por eletricidade. Mas um inglês desqualificado chamado Henry Wickham, que vivia em Santarém, em 1876, levou 70 mil sementes de seringueira para o Real Jardim Botânico de Londres, que depois foram transplantadas para a Ásia. A Rainha Vitória condecorou Wickham com o título de cavalheiro do Império. E a Amazônia iniciou a queda em direção à estagnação econômica.
Nos Estados Unidos, Henry Ford iniciou a produção em série de seu Ford modelo T. Sucesso de vendas por ser veículo simples e barato. Mas automóvel precisa de pneu. Henry Ford imaginou criar na Amazônia o centro produtor de borracha. Conseguiu do governo do Pará a cessão da área de 1 milhão de hectares na região do alto Tapajós. No meio da selva amazônica, criou uma cidade organizada, com ruas largas, praças e hospital: a Fordlândia.
A história é longa e não cabe aqui. Os técnicos produziram incêndios para limpar o terreno. Fizeram o grande fogo. Venderam a madeira e plantaram mudas de seringueira. O projeto não deu certo por várias razões. Entre eles, um fungo que se reproduz no ambiente amazônico e mata a planta. Não ocorre na Malásia. Ford conseguiu outra gleba em Belterra, nas proximidades de Santarém. Também não funcionou. Seu herdeiro, Henry Ford II, revendeu as glebas com as benfeitorias ao governo brasileiro em 1945.
Ironia é que as plantações de soja avançaram no centro-oeste brasileiro pelos caminhos de Rondon. Depois invadiram a região do Tapajós, onde se produz soja de alta qualidade. As multinacionais, estrangeiras pressionaram o governo brasileiro para asfaltar a BR 163, a Cuiabá-Santarém, para escoar a produção pelos rios Tapajós e Amazonas. A estrada passa perto de Belterra e Fordlândia, que produziram pouco látex. Mas poderão exportar soja para a Ford Motor Company, que desenvolveu plástico de qualidade industrial feito a partir da planta.
A verdade é que a Amazônia só passou a ser brasileira, de fato, depois que o presidente Juscelino Kubitschek inaugurou a rodovia Belém-Brasília em 1960. Até então, era uma região distante, isolada, habitada por índios e visitada por personagens em busca de fortuna. As atuais questões amazônicas desconhecem a história e não registram que os brasileiros limitaram-se a assistir a aventureiros fazer e desfazer numa terra de ninguém. A conta chegou agora.