O tema é a reforma tributária. Os debates, dentro e fora do Congresso, assumem proporções semelhantes às discussões sobre a reforma administrativa. O leigo sente-se incapaz de entender os especialistas, empenhados na vã tentativa de convencê-lo sobre o acerto desta ou daquela emenda constitucional. Sabe, porém, que pagará a conta, que virá majorada.
O Código Tributário em vigor, nº Lei 5.172, de 25/10/1966, foi sancionado pelo presidente Castelo Branco com o referendo dos ministros Octávio Bulhões, da Fazenda, e Carlos Medeiros da Silva, da Justiça, autoridades em assuntos de economia e direito tributário. Ao tempo em que o projeto do Executivo foi discutido, o Legislativo estava dividido entre dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), como representante da situação, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), oposicionista. Ambos congregavam, salvo exceções, a elite política do momento.
A leitura do texto original revela a qualidade da codificação. Composto por 218 artigos e respectivos parágrafos, incisos e alíneas, o código caracteriza-se pela objetividade e clareza. As matérias foram distribuídas em dois Livros. O Livro Primeiro descreve o Sistema Tributário Nacional, e o Livro Segundo traça as Normas Gerais de Direito Tributário. Da lei espera-se que seja certa, precisa, conhecida e imutável, conforme escreveu Friedrich Hayek, jurista e economista austríaco. Rui Barbosa já deixara registrado na Réplica que “Se a lei não for certa, não pode ser justa. Para ser, porém, certa, cumpre que seja precisa, nítida, clara”.
Ao Código Tributário de 1966 faltou o requisito da imutabilidade. Antes de se tornar conhecido, o Decreto-Lei nº 57, de 18/11/1966, alterou dispositivos sobre lançamento e cobrança do Imposto Territorial Rural e instituiu normas sobre arrecadação da dívida ativa. A ele se seguiram o Decreto-Lei nº88, de 28/12/1966, regulando o sistema tributário dos Territórios, e o Decreto-Lei nº 195, de 24/2/1967, dispondo sobre a Contribuição de Melhoria. A partir daí, o retalhamento foi irrefreável por meio de leis, decretos-leis, decretos, resoluções do Senado.
Relembre-se que, em 31 de março de 1964, como resultado do golpe que derrubou João Goulart, o Brasil ingressou em período marcado por turbulência política e instabilidade jurídica. Para substituir a combalida Constituição de 1946, vítima de atos institucionais e complementares, em 24 de fevereiro, foi promulgada a Constituição de 1967, cujo Capítulo V, relativo ao Direito Tributário, repetiu a Emenda 18, de 7/12/1965.
A esta altura, o leitor concordará que a falta de direção e de racionalidade prevaleceu nas alterações impostas ao código de 1966. O Sistema Tributário nacional perdeu a harmonia que o caracterizava na época em que foi aprovado. Converteu-se em labirinto grego, algo simbólico, ineficiente e ininteligível, destinado a suportar o crescente custo Brasília. Para quem imaginou que, sob a Constituição de 1988 seria diferente, a decepção foi completa. Em recente artigo publicado no Correio Braziliense, relacionei as Emendas introduzidas ao Título VI da Constituição vigente. Até agora, são 26, iniciadas pela Emenda 3/1992, que alterou os artigos 40, 42, 102, 103, 155, 156, 160 e 167.
Fosse empresa privada, organizada na forma de sociedade limitada ou anônima, o Estado brasileiro estaria falido. Não quebra porque dispõe da Casa da Moeda, do Banco Central, dos títulos do Tesouro Nacional, e não pode ser executado por dívidas. Quando em dificuldade, emenda à Constituição altera a legislação com a ajuda do Legislativo. Arcam com as consequências a classe média, pequenos empresários e milhões de desempregados, desocupados e desalentados.
Se houver reforma tributária, deve se iniciar pela desconstitucionalização de regras que ficarão melhor como legislação ordinária. Da Constituição constarão as normas destinadas à proteção do contribuinte, como anualidade, legalidade, irretroatividade, proibição da bitributação. Boa ideia consiste no abandono da codificação. Em vez de novo código, as diversas matérias serão objeto de leis ordinárias.
Lembremo-nos da Constituição de 1824: só é constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições dos Poderes públicos e aos direitos políticos dos cidadãos. Tudo o mais pertence à esfera da legislação ordinária.