O negacionismo chegou às pranchetas e aos discursos dos técnicos de futebol. A fuga dos “professores” brasileiros da realidade é explícita e inaceitável. De 2019 a 2020, os treinadores estrangeiros lideraram 35 das 49 rodadas recentes do Brasileirão. Os times comandados por gringos ocuparam o topo nas últimas 27 do ano passado e em 8 das 11 desta edição da Série A.
O português Jorge Jesus liderou 23 vezes. O argentino Jorge Sampaoli, seis. O compatriota dele, Eduardo Coudet, outras seis. Hoje, o Atlético-MG, de Sampaoli, é o primeiro. O Inter, de Coudet, segundo. Gringos à parte, Luiz Felipe Scolari, Dorival Júnior, Rodrigo Santana, Enderson Moreira, Cuca e Ramon Menezes são os brasileiros que degustaram o topo nas outras 14 das 49 rodadas.
A estatística é assustadora, mas alguns badalados técnicos brasileiros estão pouco se lixando. Insistem em relativizar ou menosprezar o sucesso dos colegas importados. Brilhante é o trabalho deles. Não admitem sequer a péssima qualidade do futebol apresentado pelos seus times.
Discursos negacionistas são atentados à própria biografia. Fui fã do Palmeiras (1993, 1994 e 1996), Corinthians (1998), Cruzeiro (2003) e do Santos (2004) de Vanderlei Luxemburgo. O técnico recordista de títulos brasileiros (5) disse, domingo passado, que o Palmeiras não tinha necessidade de fazer o segundo gol contra o Grêmio. Amargou o empate tricolor.
E pensar que o velho Palmeiras, de Luxemburgo, fez 102 gols em 30 jogos no Paulistão de 1996. O Cruzeiro campeão brasileiro, em 2003, também balançou a rede 102 vezes. O estilo ofensivo levou o técnico à Seleção. Em 1999, derrotou o Uruguai por 3 x 0 na final da Copa América. Hoje, o Palmeiras tem 17 jogos de invencibilidade — nove vitórias e oito empates — mas não arranca suspiros.
Renato Gaúcho é outro negacionista. Para o maior ídolo do Grêmio, o time dele jamais joga mal. Portaluppi vive preso ao passado. “No Grêmio, a crise é de excesso de títulos”. Lembra aquele discurso de que somos o único país pentacampeão para negar as mazelas do futebol brasileiro.
Alguns negacionistas tentam reinventar a roda. Fernando Diniz teve a cara de pau de dizer, na última terça-feira, que o São Paulo venceu o segundo tempo do jogo contra a LDU por 2 x 1. Porém, o time equatoriano ganhou o jogo por 4 x 2. Futebol ainda dura 90 minutos.
Cuca vai na contramão dos colegas, tenta viver o mundo real. No desemprego, estudou o sucesso dos Jorges. “O futebol cresceu com a chegada deles. Sampaoli é mais tático. Não dá para amarrar o time dele. Jesus tem uma filosofia. Conseguiu fazer com que os jogadores tenham ambição de buscar a bola o tempo todo no ataque”, avaliou. Por mais “Cucas” e menos “Luxemburgos”, “Renatos” e “Dinizes” na combalida escola brasileira de técnicos negacionistas.