Nada é tão bom e nada tão mau. Tudo depende das lentes por onde vemos a realidade. A progressiva diminuição dos riscos da pandemia está de mãos dadas com tormentoso perigo de aumento do desemprego, pobreza e fome, no balanço de nossa economia. O governo federal criou um olhar social, mas faltou equilíbrio na prova dos noves entre aquilo que queremos e o que podemos realizar. A mão que oferece não pode ser a mesma que suprime.
A partir de janeiro, a legislação especial que permitia socorro aos desassistidos pode terminar, mas o Brasil terá 20 milhões de cidadãos desempregados. Ninguém poderá dormir tranquilo depois do réveillon se não tivermos criado sistemas de qualificação profissional que gerem novas oportunidades, socorram os aflitos e atendam os empresários sobreviventes.
Depois da miragem e sumiço de um plano econômico que se propunha criar um arremedo de renda básica, o governo continua com planos de criar um programa social. O senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento da União para 2021 no Congresso, anunciou que Bolsonaro autorizou estudos para a área. O incentivo do presidente sugeriu a ideia de um projeto emergencial, associado à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo.
Mesmo com o artifício da carona legislativa, o plano encontra limitações. Não haverá espaço fiscal para um benefício de R$ 300 como quer Jair Bolsonaro porque poderá custar mais de R$ 100 bilhões por ano. Além disso, a conta não se sustenta sem explodir o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação anterior.
O investimento em projetos assistenciais pode ser, também, bom negócio para o Estado. Economistas da Fundação Getulio Vargas (FGV) atestam que cada R$ 1 disponibilizado à população produz R$ 1,6 em circulação na economia. Isso significa que R$ 1 milhão que sai gera R$ 1,6 milhão que volta. Esse é o segredo milagroso daqueles que criaram o Bolsa Família. Portanto, nada mais lógico inserir esse raciocínio na inversão de recursos para reeducar os trabalhadores aos novos tempos.
Como será o mercado de trabalho pós-pandemia? As mudanças vieram para ficar. Mais cedo que se façam ajustes ao novo cenário, mais rápido será o sucesso. A Heach Recursos Humanos listou 17 profissões impactadas pela pandemia. Essa reinserção do homem ao novo mundo de sobrevivência é tarefa delicada. Cada um no seu quadrado e cada quadrado no próprio círculo. Todos têm que se reinventar. Alunos e mestres são de novos aprendizes.
Os vendedores devem possuir o domínio de novos instrumentos de comunicação, pois o e-commerce se tornará indispensável, considerando que boa parte dos atendimentos será a distância e com atendimento personalizado. Motoristas por aplicativo devem ser treinados em biossegurança, higienização com valores agregados, como aprendizado de línguas e fino atendimento aos clientes.
No mundo da alimentação, haverá verdadeira metamorfose. Além da aparência e sabor, o foco maior é a saúde, com produtos que promovam melhoria no sistema imunológico. Não se esqueça dos trabalhadores em limpeza. É fundamental não apenas limpar, mas adquirir eficiência na limpeza invisível, especializada na eliminação de bactérias e vírus.O universo do novo trabalho é maior do que isso. Que será dos enfermeiros, manicures, barbeiros e um mundaréu de profissionais em vendas e serviços?
O papel da iniciativa privada, determinada por mandamentos constitucionais que lhe exigem presença e recursos, cumprem seu papel. O subsídio na educação que dá ao Estado é indispensável, mas os próprios governos federal, estaduais e municipais precisam se reciclar. É necessário que um raio de luz abençoado ilumine a cabeça dos governantes e lhes diga que investir na qualificação do trabalhador dá lucro. Sim, lucro ao erário, que poderá ter mais recursos para gerar outros recursos.
Aprender, assim como o horizonte, não tem limites. A busca de novo emprego pressupõe aprendizado que permite aos esquecidos serem vistos também como cidadãos de primeira classe. Querem os neoliberais que os valores financeiros sejam prioritários, mas não devemos esquecer que a economia jamais pode ser eficaz se desconhecer justiça social e sustentabilidade. Uma longa viagem começa com um único passo. A cidadania impõe a seu povo muita pressa e sensibilidade aos governantes. Um antigo provérbio chinês nos diz que, se todos os dias arrumamos o cabelo, por que não o coração?
* Presidente do Sistema Fecomércio-DF (Fecomércio, Sesc, Senac e Instituto Fecomércio)