Professores desmotivados, despreparados e até agredidos pelos alunos. Pais, em geral, ausentes do processo educacional dos filhos. Descaso pela qualidade de gestão escolar e indicações políticas sem critério para cargos de direção. São algumas das linhas que configuram um dos mais preocupantes gargalos do desenvolvimento nacional: a precária qualidade do ensino, que compromete o presente e ameaça o futuro. Preocupante o impacto da escolaridade no processo de inclusão e ascensão social das camadas menos favorecidas da sociedade, para tornar a questão uma das prioridades centrais dos governantes.
No atual governo, os primeiros ministros da Educação decepcionaram pela ausência de projetos relevantes e de qualidade. Ao assumir o atual mandato no Ministério da Educação, o professor Milton Ribeiro demonstrou prudência e equilíbrio. Foi o único a aproveitar a solenidade de posse para fazer um pronunciamento à altura do que se espera de um educador.
No comando da estratégica pasta, após conturbada relação dos antecessores, o ministro anunciou que promoverá um proveitoso diálogo com os secretários estaduais e municipais de Educação e com o Conselho Nacional de Educação para valorizar a educação pública. E, após criticar o que chamou de “políticas e filosofias educacionais equivocadas, que desconstruíram a autoridade do professor em sala de aula”, comprometeu-se a restabelecê-la.
É fundamental que respeite, como já anunciou, os princípios da laicidade do Estado, do ensino público e do ensino profissionalizante, e mantenha proveitosos diálogos com as associações que congregam educadores. Acabo de reler o excelente livro da professora Maria Luiza Marcílio — História da escola em São Paulo e no Brasil — e o recomendo ao ministro Milton Ribeiro. No prefácio, o professor e educador Cláudio de Moura Castro afirma que o livro é um dos melhores no gênero. “E, quem sabe mesmo, o melhor”. E faz inteligente resumo da obra.
Como nos mostra Maria Luiza Marcilio, em meados do século 19, nossos vizinhos argentinos tinham no presidente Rivadávia grande defensor da educação. Sarmiento vem depois, dando consistência a um surto de desenvolvimento da educação naquele país. No Uruguai, no mesmo fim de século, Varela fez e a mesma coisa, colocando em marcha um processo vigoroso de universalização do ensino. Aqui no Brasil, quase nada.
Herdamos uma tradição educativa portuguesa que conseguia ser ainda mais débil do que a espanhola, de pouco brilho, em comparação com o resto da Europa; o que recebemos de Portugal não foi uma visão colonialista de conter o desenvolvimento educativo do Brasil, mas a herança de uma educação mirrada e medíocre na própria metrópole. Os indicadores educativos de Portugal mostraram, até muito recentemente, elevados níveis de analfabetismo.
O livro documenta a queda de qualidade no ensino que sucedeu aos colégios jesuítas. Mas documenta também que, tanto antes quanto depois, era tudo muito pequeno. No período dos jesuítas, os colégios cobriam apenas 0,1% da população brasileira. Os professores tinham salários baixos e o prestígio social era quase nenhum. “Nossos mestres são o alvo do menosprezo, os párias da sociedade dos empregos públicos”.
Outra característica revelando a pobreza do ensino é a ausência de seriação. Os alunos podiam entrar e sair da escola em qualquer período do ano. Ao que parece, os estudantes não “passavam de ano”. Iam ficando e aprendendo, todos juntos, até o professor achar que já estavam lendo e escrevendo corretamente. Ponto curioso evocado pela leitura do livro. Somos e sempre fomos uma sociedade governada por uma elite excludente, que pensa aristocraticamente.
Achamos, também, que tais traços vêm desde as origens da nossa terra, colonizada por um país atrasado e feudal. Mas o livro traz surpresas. Até que a legislação se tornasse mais restritiva, em 1854, a escola era bem mais aberta, social e etnicamente. As pesquisas da autora registram a presença sólida de ilegítimos, abandonados, mestiços e escravos.
A principal razão do nosso atraso hoje é o começo tardio do esforço sério de desenvolver a nossa educação. As ações educativas apenas começam a tomar mais consistência em meados do século 20. Portanto, nosso atraso educativo não vem tanto do que deixamos de fazer nas últimas décadas, mas do que não fizemos nos quatro séculos que vieram antes.
Como mostram os indicadores, a qualidade vem subindo a passos de tartaruga até por consequência de outra falha: a resistência à adoção de sistema de avaliação de desempenho de gestores, professores e alunos. Sem instrumentos eficazes de fiscalização da aplicação dos recursos, o ensino público continuará a ser a prova viva de que nem sempre o que falta é dinheiro para corrigir as distorções e melhorar o desempenho do mestre e do aluno.