Recentemente um comercial foi proibido na televisão francesa por “descreditar o setor automobilístico” e “criar um clima de ansiedade”. Nele, um carro de luxo refletindo imagens que evocam congestionamentos, acidentes e poluição do ar derrete e se transforma em uma bicicleta. No slogan: é hora de viajar no futuro.
Várias cidades no mundo têm a bicicleta como opção relevante para a mobilidade. No Brasil, são poucas. Por inúmeros motivos, pedalar costuma ficar no fim da lista de escolhas. Mas será que a covid-19 não oferece oportunidade única para tornar nossa vida mais saudável e sustentável? Afinal, o que faria mais gente optar pela bicicleta?
O receio de usar o transporte coletivo durante o período de contaminação vai transferir muitos usuários para o transporte individual. A maior parte deve optar por carros e motos e não pela bicicleta. Embora não polua, seja barato, bom para a saúde e possibilite o distanciamento social, pedalar, hoje, é opção para uma parcela da população que topa circular entre veículos motorizados. Ciclofaixas, desenhadas dentro dos padrões de segurança, em muito contribuem para a redução do risco. Quem pedala entende a importância desse tipo de proteção nas avenidas com fluxo veicular pesado.
Durante a pandemia, várias cidades se dedicaram a conectar e expandir as redes cicloviárias. Na América Latina, Bogotá, Cidade do México e Buenos Aires criaram soluções rápidas em avenidas e eixos importantes. No Brasil, Belo Horizonte e Curitiba dão os primeiros passos. Ruas melhores para pedestres e ciclistas estimulam o comércio, setor entre os mais impactados pela crise sanitária. Pesquisas mostram, ao contrário do senso comum, que essas pessoas tendem a consumir mais do que clientes que chegam dirigindo.
Aos poucos, cresce a quantidade de entregas urbanas feitas por bicicletas. À medida que aumenta o comércio on-line e centros de distribuição logística se transferem para bairros centrais proporcionando nova ocupação a prédios vazios ou subutilizados, maiores são as oportunidades de substituir motos e vans por bicicletas. Em Nova York, DHL, Amazon e UPS já testam desde 2019 triciclos com baú de carga, algumas assistidas por tração elétrica. Importante pensar, agora, em ciclofaixas mais largas do que o padrão mínimo que costumamos adotar no Brasil.
Bicicletas com pedal assistido permitem vencer rampas com facilidade, adequando o esforço físico da pedalada ao que o ciclista pretende despender. Posso dizer por experiência própria que ela soluciona uma das principais barreiras apontadas por potenciais usuários: não é preciso ser atleta e se vestir como tal para pedalar ao trabalho. Com os grandes avanços na previsão meteorológica, os melhores dias para pedalar ao trabalho podem ser identificados com a devida antecedência.
Os britânicos decidiram investir adicional de 250 milhões de libras no programa Pedalar ao Trabalho, que destina mais espaço público para ciclistas, alarga ciclofaixas e cria faixas de circulação compartilhadas por ônibus e bicicletas. Com mais pessoas se exercitando, o governo prevê economia anual de 8 bilhões de libras com saúde. Não quer perder a oportunidade de encorajar o que entende ser a oportunidade em uma geração de alterar a forma como as pessoas se deslocam no Reino Unido.
Antes da pandemia, muitos previam a eletrificação de ônibus, caminhões e carros como os próximos avanços no cenário da mobilidade urbana. A mais recente versão das patinetes tem rodas maiores e se parece com a prima bicicleta. Seria, agora, a vez da bicicleta, que tanto contribui para a saúde e o meio ambiente, renovar o transporte das nossas cidades?
*Diretor do programa de Cidades do WRI Brasil