Dizem que o poder é um ópio. Vicia. Com o tempo, quem está lá no topo, se não tiver o mínimo de apreço pela democracia, torna-se dependente dele. Não consegue viver se não estiver no comando do Estado. Despreza dilemas éticos e morais, ignora preceitos constitucionais, e, às custas das liberdades e dos direitos individuais, impõe o próprio projeto político como se fosse tábua de salvação de um país. Nos últimos 26 anos, o presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, governou com mão de ferro a ex-república soviética. Apesar de alvo de críticas e de uma oposição cada vez mais influente, ele venceu as eleições de 9 de agosto passado com mais de 80% dos votos. A candidata rival, Svetlana Tikhanovskaya, foi forçada a exilar-se na Lituânia.
Ante a condenação das ruas, Lukashenko adotou a repressão como arma. Em gesto simbólico, chegou a vistoriar uma manifestação com um fuzil nas mãos. Em Minsk, capital do país, cidadãos bielorrussos começaram a ser sequestrados por homens encapuzados em vans descaracterizadas e sem placa. Ativistas foram espancados por membros das forças especiais de segurança, durante os protestos de rua, e detidos.
O Correio falou com alguns dos manifestantes submetidos a tortura física e psicológica. Um deles, Kryscina Vitushka, enfrentou privação de sono em uma cela de 10 m² com vários outros detentos. Passou fome, sede, medo e viu homens serem torturados no corredor do pavilhão do presídio. O mesmo ocorreu com a professora de matemática Yana Bobrovskaya.
Lukashenko prometeu esmagar os opositores, que não parecem inclinados a abrir mão da mudança do regime. Para isso, conta com o apoio tácito do presidente russo, Vladimir Putin, cujo histórico demonstra pouco apreço pela democracia e desrespeito à oposição. O chefe do Kremlin é suspeito de interferir nas eleições norte-americanas e de envenenar adversários políticos. Alexei Navalny, um dos principais rivais de Putin, quase morreu ao ser intoxicado com o agente nervoso do tipo Novichok, supostamente colocado em inocente copo de chá. O presidente russo também encampou mudanças constitucionais no país que vão permitir-lhe governar até 2036.
É preciso desconfiar de qualquer manobra política do mandatário para perpetuar-se no poder. É necessário tratar com suspeição o culto à personalidade e os arroubos autoritários e populistas. São, quase sempre, artimanhas para solapar a democracia. Também deve ser considerada suspeita a mistura entre política e religião, pois existe o risco de uma autocracia. Líderes democráticos pensam no bem comum e têm projeto político para a própria nação, não para atender as próprias vaidades. A estabilidade democrática e o respeito aos direitos humanos são requisitos básicos para a coesão da sociedade. Sufocar a democracia é o mesmo que condenar a população ao controle ideológico e ao medo.