O setor da alimentação fora do lar é o maior empregador do país. Até março, tinha 6 milhões de funcionários. Bem que poderíamos reivindicar o nosso ingresso no grupo de 17 setores favorecidos pela desoneração da folha salarial. Motivos não faltariam para requerer a inclusão na distinta agremiação. Eis um deles: desde que se iniciou a quarentena, em março, 350 mil bares, restaurantes, bistrôs, cafés e lanchonetes foram à falência, desempregando 1,5 milhão de pessoas.
A ditatorial gestão dos protocolos (unilateralmente impostos pela maioria das prefeituras do país) provocou efeitos arrasadores no setor. Teríamos aí poderosa argumentação para que nos incluíssem entre os beneficiados da desoneração da folha salarial, nos valendo, também, da enorme vantagem de poder substituir a contribuição previdenciária de 20% sobre os salários dos funcionários por alíquota que vai de 1% a 4,5% sobre a receita bruta.
Acontece, porém, que jamais aceitaremos nos juntar aos que se tornaram exceção à regra. Vários dos aquinhoados pela benesse são empresários de poderosos setores. Por exemplo: montadoras de veículos, indústria de máquinas e equipamentos, call centers de bancos, cartões de crédito e companhias telefônicas. Estamos engajados na construção de um Brasil novo, que se alinhe às melhores sociedades globais deste século.
Temos de resgatar o princípio republicano de tratar os iguais como iguais, a exemplo do que propõe o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao defender desoneração da folha salarial que seja aplicável a todos, e, ainda, que seja coberta por nova fonte de receita, como a contribuição sobre transações digitais.
Precisamos, de uma vez por todas, sem mais postergações, estabelecer o marco divisório entre o Brasil anacrônico, loteado pelos interesses corporativistas, e o Brasil em que todos, de fato, sejamos iguais perante a lei. Mas o que se viu até agora, ao longo dos cinco séculos da nossa história, é que, nesta pátria mãe nada gentil, alguns são muito mais iguais do que os outros. Quando se conquista uma regalia, em caráter temporário, dá-se um jeito de perpetuá-la. A desoneração da folha salarial para um seleto núcleo de setores teve início em 2011, no governo Dilma Rousseff.
O término da excepcionalidade estava legalmente previsto para 31 de dezembro, portanto daqui a quatro meses. Porém, cedendo aos grupos de interesse dos 17 setores, o Congresso Nacional decidiu prorrogar a vantagem até dezembro de 2021. E o que fez o presidente Jair Bolsonaro? Vetou. Ao presidente nossos mais calorosos aplausos. Agora, o clube dos 17 movimenta-se para que o Congresso derrube o veto, com vista a restaurar a esclerosada velha ordem.
Nos nove anos de vigência do regime exclusivista de desconto nos encargos da folha, não se tem notícia da criação de mais empregos nos 17 setores. O economista Marcos Lisboa, secretário de Política Econômica entre 2003/2005, no governo Lula, e hoje preside Insper, em entrevista ao jornal Valor, fez uma pergunta que ele mesmo respondeu: “Desonerar a folha é aumentar emprego? A resposta é não. Aí a gente concorda com ele. E, repetimos, aplaudimos a atitude do presidente.
O bom desempenho de uma economia de mercado requer mais do que leis adequadas e justas. Requer ética. Nós, da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, somos a voz das ruas. O que expressamos é o desejo popular de que os usos e costumes nacionais sejam civilizados. Isto é, compatíveis com uma sociedade democrática, transparente e aberta. Quando houve a greve dos caminhoneiros, em maio de 2018, nos manifestamos contrariamente ao tabelamento do óleo diesel.
Em primeiro lugar, não se consegue fazer vigorar um tabelamento. E quando, por algum milagre, ele de fato é praticado, desaparecem as mercadorias tabeladas. A economia de mercado é uma teia. Quando se puxa um fio, o conjunto da teia é afetado, desarrumando-a por inteiro.
É preciso, sim, que haja um estado regulador, assegurando-se os direitos dos cidadãos e os princípios éticos da livre concorrência. Não somos pelo fundamentalismo estatal ou de mercado. O que expressamos é o sentimento das ruas, de um povo que almeja a superação do atraso e o advento de um Brasil novo.
* Membro do Conselho Deliberativo da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) e presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel)