Como o próprio presidente Donald Trump apregoa, em 61 dias, os Estados Unidos realizarão as eleições mais importantes dos últimos tempos. Os norte-americanos terão a oportunidade de chancelar o negacionismo, o isolacionismo, as fake news, a retórica divisiva que arremessa a sociedade rumo ao ódio racial. Ou de escolher uma guinada brusca em direção a políticas mais moderadas, inclusivas e multilaterais.
Os últimos meses parecem sedimentar um desastre eleitoral para o magnata republicano, que tem fracassado em responder à pandemia da covid-19 e demonstrado empatia zero em relação aos afro-americanos. Em vez de posicionar-se contra a segregação racial, Trump coloca-se ao lado da polícia, desafia governadores democratas por não controlarem as manifestações do movimento “Black Lives Matter” (Vidas negras importam) e inspira os extremistas da direita a confrontarem os ativistas. Soma-se a isso a profunda crise econômica, reflexo da ingerência.
Em 2016, Trump elegeu-se calcado no slogan “Faça a América grande novamente”. Quase como um menino aborrecido, reverteu muitas das políticas e dos avanços encampados pelo antecessor, o democrata Barack Obama. Abandonou o pacto nuclear com o Irã, distanciou-se de Cuba, retirou-se do Acordo de Paris, fundamental para a mitigação das mudanças climáticas. Apenas para citar alguns exemplos. Em uma manifestação de ignorância em relação ao Oriente Médio, moveu a Embaixada dos Estados Unidos de Tel Aviv para Jerusalém, reconheceu a cidade como capital eterna do Estado judeu, apresentou um plano de paz visivelmente desonesto em relação aos palestinos, mediou o estabelecimento de laços diplomáticos entre Israel e os Emirados Árabes Unidos. Chegou a apostar todas as fichas em duas cúpulas e em um encontro com o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un. O feitiço virou-se contra o feiticeiro: ao cortejar Kim, Trump deu-lhe a importância que não deveria, presenteou-lhe com um capital político de consequências imprevisíveis. Se apostou que levará o Nobel da Paz por essa “façanha diplomática”, Trump provavelmente caiu do cavalo.
Quatro anos de governo foram suficientes para recuperar o antiamericanismo amenizado desde o fim da gestão George W. Bush. A retórica megalomaníaca de que os EUA são a maior nação do planeta ampliou o fosso do isolacionismo. Tio Sam ficou mais sozinho em um mundo onde o multilateralismo é tábua de sobrevivência. Trump conseguiu se indispor com a China e com a Rússia, em uma “reedição” da Guerra Fria. Também desprezou importantes pactos do setor de defesa. Chegou a colocar em xeque até velhas alianças, como a amizade com a Alemanha.
É difícil pensar que Joe Biden seja tão ou mais desastroso quanto o magnata que decidiu aventurar-se no poder. O discurso do democrata esbanja coerência, comparado com a verborragia de mentiras despejada por Trump. Em pouco mais de 70 minutos, o pronunciamento na Convenção Nacional Republicana, na última quinta-feira, teve pelo menos 40 inverdades. Na ocasião, Trump comparou os EUA a um farol para o mundo. As lâmpadas começam a pifar.